Tiago Mairo Garcia
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Até onde vai a sua paixão pelo clube do coração? Para o jornalista e assessor de imprensa da Prefeitura de Santa Cruz do Sul, Tiago Rech, foi além do que se imagina. Em 2012, ele foi o torcedor solitário do Santa Cruz, que vibrou com o gol da equipe, mas acabou sofrendo com a derrota por 4 a 1 para o Grêmio no Estádio Olímpico, em Porto Alegre, em fato que teve ampla repercussão na época. Oito anos depois, o torcedor solitário eternizou seu nome de vez na história do clube como o presidente que conquistou a Copa FGF – Taça Ibsen Pinheiro, sendo o primeiro título estadual em 108 anos de existência do clube.
Em entrevista concedida ao Riovale Jornal, na manhã da última quarta, 24, o atual presidente do Galo conta a sua trajetória até chegar ao cargo, relembra os momentos de dificuldades pessoais que enfrentou para ajudar o clube, destaca o grande momento vivido com a conquista da Copa FGF e projeta o futuro com otimismo na final da Recopa contra o Grêmio e na conquista do acesso com título da Terceirona Gaúcha, principal objetivo do clube na temporada.
Riovale Jornal – Você foi o torcedor solitário do Santa Cruz no jogo contra o Grêmio em 2012 no Estádio Olímpico, que ganhou grande repercussão na época. Quando percebeu que era somente você na arquibancada torcendo para o Galo na partida, qual foi o sentimento naquele momento? Chegou a imaginar que teria tanta repercussão?
Tiago Rech – Saí do trabalho e fui caminhando até o Olímpico. Cheguei uns 15 minutos antes da partida. Quando fui entrar na área destinada para o time visitante, perguntei para o segurança se já tinha algum torcedor. E ele me disse que ainda não. Como a Barra do Galo costuma se atrasar, pensei que chegariam em seguida. Mas aí o jogo começou e ninguém apareceu. Sempre tinha algum familiar de jogador, algum morador da Capital, mas como era verão, uma noite de sábado, e um jogo tranquilo, muitos foram na torcida do Grêmio mesmo. Aí com 15 minutos comemoro o gol e começaram as ligações de parentes e colegas de trabalho perguntando se era eu mesmo. Foi um sentimento de muito orgulho por mostrar minha paixão ao mundo.
Riovale – Imaginou que essa situação iria aproximar você com o clube a ponto de se tornar presidente?
Tiago – Meu pai já era conselheiro e eu frequentava sempre os jogos, conhecia alguns dos diretores, mas não tinha aproximação para virar presidente. O que deu essa aproximação foi quando virei jornalista do clube no final de 2013. Aí passava os dias no clube, comecei a frequentar a tradicional Confraria da Sexta, virei conselheiro, fui sendo conhecido e pegando confiança com todos.
Riovale – Em 2014, você assumiu o primeiro mandato como presidente em um momento difícil para o clube. Como foi enfrentar aquele desafio com o clube disputando uma divisão de acesso naquele ano?
Tiago – O primeiro desafio já ocorreu logo quando assumi a presidência, em julho de 2014. Me tornei presidente, pois apresentei um projeto ao clube de disputar a Copinha naquele ano. Acreditava e acredito que jogar o ano inteiro é o que todo clube de futebol tem de fazer. Pois cria uma identidade nos jogadores e mantém uma sequência para os profissionais. Começamos super bem, líder e avançando no mata-mata, mas a cidade não comprou muito a ideia, o inverno prejudicava a presença maior da torcida e os gastos foram altos. Tive que fazer empréstimo pessoal para pagar a folha salarial. Aí quando chegamos para jogar a Divisão de Acesso, a situação financeira estava complicada. Tivemos de diminuir a folha planejada em 30% e acabamos montando um time que não era muito competitivo. A sequência e manutenção da comissão técnica foi importante para que não fôssemos rebaixados já em 2015. Mas aí eu termino o ano do meu mandato com dívidas pessoais, desanimado e resolvo não concorrer à reeleição. Voltei para Porto Alegre onde retomei minha carreira profissional e pessoal.
Riovale – Você retorna para o segundo mandato com o clube na Terceira Divisão. Como foi para manter as contas e conseguir montar a equipe com poucos recursos?
Tiago – Apesar de ter me afastado da gestão eu segui acompanhando o clube e assistindo os jogos. Estava em São Gabriel no dia em que perdemos por 4 a 1 e caímos para a Terceira Divisão. Voltei com a equipe no ônibus. Quatro horas em um silêncio que não vou esquecer. Trabalhei em uma campanha política do Estado naquele ano e em novembro eu estava novamente livre profissionalmente e sempre com aquele desejo de que devia voltar. Tinha também a perspectiva de renovação do contrato com o Posto do Galo e de valores do Tiago Volpi e Pedro Henrique. Então sentia que dava pra voltar, agora mais experiente, e tentar reerguer o clube. Sabendo que agora estávamos no fundo do poço de verdade mesmo e totalmente desacreditados na comunidade. Na Terceirona de 2019 optamos por um time com 85% de atletas da cidade, com menos de 21 anos para não ser necessário contrato profissional e ter encargos. E isso foi positivo, pois tivemos bons públicos, jogos com mil pessoas, muitos familiares dos atletas. Pegamos os valores dos patrocínios e da renda dos jogos que em parte quitamos dívidas e outra parte os salários. E aí, aos poucos fomos recuperando a imagem do clube e também resolvendo a situação financeira.
Riovale – Em 2020, o Santa Cruz conseguiu montar um time, que em pouco mais de dois meses de atividade conquistou uma competição estadual que lhe deu direito a uma vaga na Copa do Brasil com uma cota de R$ 560 mil, com o seu nome eternizando para sempre na história como primeiro presidente campeão. Qual o significado dessas conquistas?
Tiago – Aí também começaram a entrar novos valores do Volpi e Pedro Henrique, o que nos permitiu chegar para disputar a Terceirona em 2020 com uma situação financeira bem melhor, e montar um time competitivo. Iniciamos a pré-temporada e aí veio a pandemia. Tivemos de paralisar as atividades, mandar todo mundo pra casa e ficou aquele suspense até setembro, quando o campeonato foi cancelado. Mas aí estávamos com um plantel em contrato suspenso, recebendo todos os meses, com recursos em caixa, e veio o anúncio de que teria uma Copinha mais curta. Eu tinha um temor em relação aos gastos com protocolos e testes, medo de um surto no clube. Mas aí meus grandes parceiros no clube, o vice-presidente e financeiro, Luiz Carlos Vitiello, o vice de futebol, Miguel Schuck, e o diretor de futebol, Lairton Reis, que me convenceram, e resolvemos fazer essa aposta. Uma aposta que deu certo e trouxe o clube para uma outra realidade. Foi a realização de um sonho. No Santa Cruz tenho realizado muitos sonhos. Ser presidente do clube de futebol que sou apaixonado, conquistar um título importante para esse clube, jogar uma Copa do Brasil com esse clube. Sempre digo que o Santa Cruz é a minha vida. E tem sido uma vida de muitas alegrias.
Riovale – A sua história de torcedor solitário a presidente campeão se transformou em uma peça publicitária de uma das mais conceituadas cervejarias do Brasil, com a empresa sendo a mais nova parceira do clube? Como você avalia esta conquista que valoriza a imagem do clube?
Tiago – O título do clube já traria uma grande repercussão. E temos ótimas histórias, como a superação dos nossos atletas em meio à pandemia, o técnico Wiliam Campos seguindo os passos de campeão do pai. E juntou isso com a minha paixão pelo clube, de torcedor solitário ao presidente campeão. Isso trouxe um retorno muito bom ao clube, a renovação com patrocinadores, a chegada da Ambev e Brahma. Só tem uma coisa que eu ainda gostaria, que é o aumento do número de sócios do clube. Infelizmente, com a perda de renda das famílias e a proibição de público nos jogos, tem sido difícil conseguir novos sócios.
Riovale – No seu terceiro mandato, o senhor tem um novo desafio que é a busca pelo acesso para a Divisão de Acesso. Como o senhor projeta a disputa da terceira divisão que inicia em abril?
Tiago – Uma pena que não conseguimos avançar na Copa do Brasil. A cota pela segunda fase seria uma receita sensacional para o clube. Ficou aquele gostinho de que podia ter dado certo, fizemos um baita jogo, só realmente faltou o gol, pois dominamos a partida. Mas bola pra frente, nossa comissão técnica e atletas mostraram que estão no caminho certo e que têm reais condições de fazerem um excelente campeonato. Com o elenco que montamos, sendo 85% o mesmo plantel que foi campeão, com a estrutura que estamos oferecendo, salários sempre em dia, estou cobrando nada menos do que o título da competição e o acesso.
Riovale – A Recopa Gaúcha contra o Grêmio é mais um título que o Galo vai disputar na temporada. Qual a sua expectativa para esta decisão?
Tiago – Vai ser mais um jogo histórico para o clube. Voltar a jogar com o Grêmio, o mesmo adversário que eu estava vendo o jogo sozinho no Estádio será muito emocionante. Quem sabe desta vez tem o troco, uma vitória e um segundo título pro Galo. Condições pra isso nós temos e vamos buscar.
Riovale – Após a disputa da Segundona Gaúcha, no segundo semestre, a Federação Gaúcha de Futebol tem novamente a disputa da Copa FGF no calendário. O Santa Cruz terá equipe para disputar a competição e defender o título conquistado em 2020?
Tiago – Se eu tivesse avançado de fase na Copa do Brasil, eu já te confirmaria a participação na Copinha. Como isso não ocorreu teremos de buscar recursos e também ver como será o andamento do clube até o segundo semestre. Como já disse antes, um clube de futebol tem de jogar o ano inteiro. Eu sempre serei o primeiro a querer jogar, mas só se tivermos recursos para isso. A linha entre um clube de futebol do interior crescer ou cair em dívidas é muito tênue. É preciso muita responsabilidade.
Riovale – Sobre as categorias de base, tem algum projeto para fortalecer a área para que o clube possa ter retorno com negociações e mecanismo de solidariedade da FIFA?
Tiago – A base é o caminho mais sustentável para um clube crescer, seja formando atletas identificados para atuar no plantel ou negociando jogadores. Mas tem custos altos, quase que igual ao do profissional. Eu tinha projetos em mente para a base, mas que também dependiam do clube passar de fase na Copa do Brasil. Hoje temos um trabalho em parceria com o Centro Esportivo Santa Cruz, mas ele também é com pés nos chão. Com a pandemia, também estamos praticamente parados na base. Tivemos um bom número de atletas formados desde 2017 que vinham jogando campeonatos, mas agora tiveram de parar. Então acredito que vai demorar de novo dois ou três anos para voltarmos a colher algum fruto.
Riovale – O Santa Cruz completa 108 anos. Que mensagem você quer deixar para o torcedor do Galo?
Tiago – O Santa Cruz faz parte da minha vida e da vida de muitas pessoas. São 108 anos de uma história de comunidade, união, paixão e vitórias. E que agora também tem uma linda taça para chamar de sua. O torcedor pode ter muito orgulho! Parabéns e vamo, vamo Galoooo!