Nos últimos anos, além de ter apoiado a atual agenda de retirada de direitos que inclui a reforma trabalhista e previdenciária, a imprensa brasileira excluiu os trabalhadores do editorial de economia. É um desafio encontrar uma voz dissidente de qualquer ideia debatida no País desde 2016. Chega a ser engraçado, pois os ditos especialistas do mercado tiveram todo espaço do mundo para dizer o que era preciso para que o Brasil voltasse a crescer.
Vamos começar pelo impeachment da presidente da República Dilma Roussef. Ao invés de ouvir a população, quem era a fonte preferida dos jornais? As famosas agências de risco, que projetavam cenários catastróficos caso Dilma ficasse. É engraçado que após Temer assumir, sumiram do noticiário as avaliações das agências de risco.
Passado isso, a bola da vez foi o Teto de Gastos. Com a desculpa que o País gastava demais, a PEC do Teto de Gastos foi aprovada. Depois da aprovação, seria natural pensar que as coisas iriam deslanchar. Afinal, Dilma havia saído e tudo viria em um passe de mágica, não? Não! O mercado disse então que era preciso uma reforma trabalhista para “modernizar” a CLT que era muito antiga e impedia o empresário de empregar. E lá fomos nós para mais uma aventura. Durante meses essa foi uma das maiores pautas no jornalismo brasileiro e, em nenhum momento, algum líder sindical foi entrevistado. Mesmo com as mobilizações feitas pelas centrais sindicais, a força da mão invisível do mercado conseguiu ganhar nessa.
Ainda assim não havia a certeza de que o Brasil conseguiria crescer da forma que os especialistas gostariam. O jeito foi levar adiante mais uma reforma: a da previdência. Neste ponto, é preciso registrar que o jornalismo brasileiro atuou quase como uma força auxiliar, dando amplo espaço para vozes favoráveis ao desmonte da previdência. Meses se passaram e a matéria passou na Câmara com uma breve resistência parlamentar e popular.
Vamos agora para 2021: pandemia, uma média superior de 3 mil mortes diárias, vacinas faltam e a fome bate na porta do brasileiro. O que incomodou o mercado? O discurso de Lula, a lentidão na tramitação da Reforma Administrativa (fiquem tranquilos, o mercado garantiu que depois dessa reforma vai!). Mas o que não atrapalha a vida do mercado é a morte, a fome, a miséria, que passa bem longe desse mundo encantado que dita regras e sempre pode falar o que bem quer.
O mercado, essa instituição metafísica e onipresente que comenta toda e qualquer decisão da vida do trabalhador brasileiro precisa ser banida das páginas dos jornais. É hora de falarmos de pessoas reais, com nome e sobrenome. Pessoas sentem fome, pessoas têm sonhos, esperanças e ideias. O mercado não. O mercado só conhece duas reações: o bom humor e o mau humor. Daí vêm as famosas manchetes: “Mercado reage mal a discurso de fulano e dólar dispara”, ou então: “Mesmo com mais de mil mortes diárias, dólar fecha em queda”. A imprensa tradicional preocupada com o patronato, trata o trabalhador como bicho homem. Enquanto o Deus mercado está nervoso, se esquece de falar de vidas. Essas não podem ser recuperadas pelo mercado com uma reforma.