A vida em sociedades complexas, como o Brasil de hoje, é multifacetada. Coisas boas misturam-se com coisas ruins. Há avanços e retrocessos. Aspectos animadores e desanimadores. E não é só a sociedade: nós, eu e você incluídos, somos seres com contradições e ambiguidades. Somos egoístas e solidários, capazes de gestos nobres e de mesquinharias, de fortalezas e de fraquezas.
À luz desse panorama social e desse entendimento antropológico não faz sentido ser exageradamente otimista ou pessimista, nem fazem sentido as simplificações, ou seja, as explicações baseadas em um só aspecto. Para entender o nosso mundo precisamos de teorias que indiquem a complexidade dos fatos e que favoreçam a visão de conjunto.
Os comunicadores precisam particularmente de uma formação apurada nesse sentido. A mídia está repleta de visões unilaterais e simplificadoras. Visões que têm um viés político. Dá para simplificar e ser unilateral a favor ou contra.
No Brasil, o grosso da mídia vem assumindo nos últimos anos um viés pessimista. Fala mal do país e especialmente mal do governo e da política. Especializou-se em captar defeitos, problemas e malfeitos da administração pública. Fatos reais, problemas reais, mas que são apenas parcela de um vasto conjunto. Há uma enormidade de coisas boas que não são mal ou pouco divulgadas.
Um exemplo: os programas de redistribuição de renda. Provavelmente você já ouviu falar que cidadãos receberam o bolsa família de forma indevida, que funcionários públicos fraudaram o programa, que tem gente que não quer trabalhar para viver da renda do programa. A partir de fatos isolados, repetidos à exaustão, muita gente abraçou a ideia de que o bolsa família é um “bolsa esmola” ou “bolsa preguiça”.
Vários jornalões tradicionais noticiaram, por exemplo, que no Mato Grosso do Sul, em 2009, um funcionário registrou seu gato, Bylli da Silva Rosa, como seu filho e ganhou o bolsa família por sete meses. Um caso isolado (detectado pela fiscalização do programa), mas que foi repercutido nos meios de comunicação e redes sociais. O mesmo aconteceu com problemas similares, localizados.
O outro lado: no ano passado o Ministério do Desenvolvimento Social divulgou uma notícia espetacular, dando conta que em dez anos 1,69 milhão de famílias de beneficiários do bolsa família saíram espontaneamente do programa, depois de declarar que tinham renda familiar acima do limite permitido (R$ 140 mensais por pessoa). Um fato espetacular! Um fato notável! Fato que mereceria 500 manchetes ou 1000 manchetes se o interesse fosse o de mostrar que grande parte do povo pobre é responsável, decente, honesto. Você já tinha ouvido falar disso?
A nossa grande mídia é a prova provada de que é possível mentir contando verdades unilaterais. Não é preciso inventar fatos. A sofisticada arte de mentir utiliza fatos reais, destaca alguns, omite outros. A mentira não está no relato isolado. A mentira está no conjunto da obra.
Mesmo assim, continua valendo a regra de que não se pode enganar a todos o tempo todo.