Por acaso, você é uma dessas pessoas que percebem nas entrelinhas dos meios midiáticos uma artimanha pretensiosa de mercantilização da cultura, no sentido de que esses meios formatam os gostos culturais que temos e os mantêm alienados no consumismo? Ou seja, seriam esses meios caracterizados por um presunçoso poder de instrumentalização do indivíduo? Se sua resposta é sim, então você subscreve alguns dos pressupostos da teoria da indústria cultural criada e amplamente difundida pelos filósofos marxistas da Escola de Frankfurt, dentre eles Adorno e Horkheimer. Esses defendem que o cinema, a televisão, o rádio e as revistas formam juntas uma instituição que, em linhas gerais, se empenha em:
a) sujeitar as subjetividades a ponto de torná-las passivas frente às mensagens transmitidas;
b) impregnar nos indivíduos valores e modelos sistêmicos formatadores de comportamentos;
c) bombardear as mentes com predisposições estereotipadas a tal ponto de fazer as pessoas crerem que tais predisposições são genuinamente suas;
d) impedir a emancipação do sujeito na criatividade e/ou no ativismo social, ou seja, mergulhar a individualidade na incapacidade de se valer autonomamente do próprio intelecto, mantendo-a na menoridade da razão.
Nessa via, poderíamos grosso modo dizer, o indivíduo se enquadraria na terminologia popular “marionete do sistema” e estaria, assim, predisposto a perpetuar os interesses do capitalismo, dentre os quais se destaca a assiduidade no consumismo desenfreado.
Cabe aqui, caro leitor, um questionamento cuidadoso: será mesmo que muitos de nós somos realmente tão passivos a ponto de introjetar sem filtros os ideais mercantilistas transmitidos pelos meios midiáticos, no que diz respeito à moda, música, tecnologia etc.? Por exemplo, será que as músicas nos são transmitidas (na atualidade principalmente) com a crua finalidade de mercado, no sentido de “Ai se eu te pego” não ser para nossa ‘fruição estética’ (porque toda fruição traz consigo o quesito ‘criticidade’), mas para nosso simples ‘consumo’? Ou então, a arte expressa num quadro não ser para o nosso encantamento (o que gera a potencialização de nossa individualidade), mas para o nosso mero entendimento de que combina com o sofá da sala e, portanto, devemos comprá-la? Será mesmo que os meios midiáticos capturam nossos gostos culturais e os cultivam de forma a homogeneizá-los no solo do consumismo?
Bom, se você compreende um “sim” para essas perguntas, então seu ‘filtro’ não está em desuso, pois ao perceber que muitos são pela mídia arrancados de sua individualidade e jogados no terreno da homogeneidade dos gostos culturais, a qual se mostra profícua ao consumismo, se permite uma postura de criticidade sobre até que ponto nossa constituição enquanto sujeitos é formatada e regulada de acordo com o ideal sistêmico.
Nesse sentido, gosto muito da reflexão do filósofo Michel Foucault sobre o “cuidado de si”, que em linhas gerais subentende a técnica de análise individual permanente e/ou o ato significativo de narrar a si mesmo
subjetivamente. Ou seja, se quisermos “ver” as coisas tal como são, com seus processos de formatação de individualidades, seja nos termos frankfurtianos ou não, devemos praticar esse “cuidado de si”; devemos
perceber a nós mesmos dispostos no mundo, pela via da pergunta: até que ponto minha identidade é abduzida e reinscrita em uma nova identidade formatada, heterônoma, homogeneizada, totalizada e regulável? Pensemos!