Luana Ciecelski
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A cidade de São Paulo na região sudeste do Brasil está sofrendo com a falta de água, e o grande problema é a falta de chuvas. O Estado enfrenta uma das maiores secas de sua história. Uma seca silenciosa que ao longo dos anos, fez com que o sistema Cantareira, um dos principais abastecedores da cidade, fosse baixando aos poucos o seu nível de água. As chuvas insuficientes e o consumo excessivo de água por parte da população não colaboraram e atualmente, a rede hídrica passa por uma crise.
Nos últimos meses de 2014, a Sabesp abasteceu a população paulista com o chamado volume morto, uma reserva de cerca de 400 bilhões de litros que fica abaixo do nível dos túneis que retiram água das represas. Estimativas mais pessimistas afirmam que se a chuva não vier logo e a população não reduzir drasticamente – em cerca de 76 litros diários – o consumo de água, já em março os reservatórios restantes secarão completamente. Já nas estimativas mais positivas, na melhor das hipóteses, essa seca total acontecerá em julho de 2015.
Uma das alternativas, a mais radical, já está sendo pensada. São Paulo corre o risco de ter a água racionada durante cinco dias da semana. Para evitar que o abastecimento seja totalmente cortado, São Pedro teria que ajudar imediatamente com uma precipitação diária de 11 milímetros – o que é considerado chuva forte – até abril. Além disso, a população paulista teria que economizar 76 litros por dia – 60% do que é consumido hoje. Dessa forma a reserva não se esgotaria e em 12 meses o nível da água poderia ser reposto.
Crise não é de agora
Apesar de só ter sido noticiada com mais frequência nos últimos meses, a crise hídrica não é de agora. De acordo com a imprensa paulista, em 2004, quando a empresa de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) renovou a autorização da administração da água, já houve anúncio de que os tanques estavam baixos e que em breve a cidade se tornaria muito dependente do Sistema Cantareira – sistema composto por seis represas interligadas, construídas nos anos 70 nas nascentes da bacia do Rio Piracicaba, na Serra da Cantareira em São Paulo. Em julho de 2014, o volume útil da Cantareira, que atende a mais de 8 milhões de habitantes, esgotou, como era previsto se a população não reduzisse o consumo.
Isso aconteceu porque desde 2013 uma estiagem vem atingindo a região, e porque o sistema Cantareira depende das chuvas de verão para manter seu nível, no entanto, nos primeiros meses de 2014 choveu muito menos da metade do que era esperado para o período. Além disso, outro fator que contribuiu para a escassez é a população constantemente crescente. São Paulo possui atualmente mais de 11,8 milhões de habitantes. Para se ter uma ideia, é apenas um pouco menos do que toda a população do RS, que é de 11,16 milhões.
E essa população crescente traz consigo alguns dos maiores problemas de todo o mundo: a poluição, verticalização, impermeabilização do solo, falta de planejamento e consequentemente a sobrecarga do sistema de abastecimento e coleta.
Divulgação/Governo do Estado de SP
A Sabesp está abastecendo a população paulista com o chamado volume morto
Os sistemas de abastecimento
Furnas
A Hidrelétrica de Furnas, principal abastecedora de energia da capital paulista está com a água muito abaixo do nível considerado normal, e por isso as turbinas, responsáveis pela transformação da força em energia elétrica, e que são movimentadas pelas águas, estão praticamente sem funcionamento. Prova disso é que apesar da capacidade de 1,2 mega watts por mês, a usina gerou apenas pouco mais de 300 MW durante todo o mês de janeiro de 2015.
Cantareira
Outro grande problema está no Sistema Cantareira, abastecedor de água da capital paulista. De seus 982,07 bilhões de litros – o volume total a que pode chegar – apenas 49,93 bilhões de litros restam para o consumo da população, quantidade que corresponde a 5,1% do total. Na prática isso significa que se uma grande quantidade de chuva não ocorrer logo e que se a população não diminuir imediatamente o consumo, em março, já não haverá água para abastecer São Paulo.
Problema grave de solução complexa
Para o professor de Limnología do departamento de Biologia e Farmácia da Universidade de Santa Cruz do Sul, Eduardo Lobo Alcayaga, a questão da falta de água em São Paulo é um problema grave e de solução muito complexa. Principalmente porque essa solução depende de várias esferas, desde a global até a local.
“Dentre os problemas globais, a falta da água está intimamente ligado às drásticas mudanças climáticas pelas quais atravessa o planeta Terra, que está provocando eventos extremos com intensidades e periodicidades maiores, como secas de longa duração, caso de São Paulo, e também inundações”, explicou.
Segundo o professor, um dos grandes problemas de escala global diz respeito à diminuição das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, como o dióxido de carbono (CO²). O CO² é um dos principais causadores da elevação da temperatura do planeta, no entanto, nem mesmo os acordos internacionais estão surtindo o efeito desejado na redução desse poluente.
O último protocolo da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 18), que foi assinado em 2012 no Catar, estabeleceu que o Protocolo de Kyoto* fosse mantido, e que todos os países envolvidos deveriam reduzir pelo menos 18% da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, em relação às taxas de 1990. No entanto, o Relatório sobre Mudanças Climáticas e Aquecimento Global publicado pelo Banco Mundial em 2012, e ratificado pelo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC em inglês) em abril de 2014, afirmam que esses valores de redução não são suficientes.
“Segundo o IPCC, o ideal é que a redução seja de 25% a 40% para países desenvolvidos”, explicou Lobo. Ainda de acordo com os relatórios, se essas mudanças não acontecerem logo, até o fim do século o planeta atingirá uma temperatura 4 graus mais quente que trará consequências catastróficas. “Teremos inundações de cidades costeiras, crescentes riscos à produção de alimentos, ondas de calor sem precedentes em muitas regiões, especialmente nos trópicos. Além disso, regiões secas ficarão ainda mais secas, as úmidas ainda mais úmidas, forte agravamento da escassez de água e a biodiversidade sofrerá perdas irreversíveis”, explicou o professor.
No entanto, para que o planeta não chegue a esse nível, o IPCC também afirmou em seu relatório que a temperatura do planeta até o fim do século não deve subir mais do que 2 graus. As tendências mundiais indicam que a Terra caminha rapidamente para ficar até 4 graus mais quentes no final deste século, se não forem tomadas medidas urgentes relacionadas às mudanças climáticas. “E isso é prioritário. Já discutimos a problemática durante os últimos 20 anos. Chega! Agora é preciso fazer”, finalizou Lobo.
Como diminuir esses índices, é o grande desafio. “Não podemos simplesmente fechar as fábricas e empresas. Temos que trabalhar no aprimoramento da tecnologia para produzir igual, ou mais, poluindo menos”, explicou Eduardo. O uso de filtros, segundo ele, é um exemplo; procurar energias alternativas e diminuir o uso de combustíveis fósseis é outro.
Consequências econômicas
Apesar dos problemas rotineiros da falta de água já serem o suficiente para deixar a população preocupada com a questão, eles não são tudo, e segundo o professor Lobo, os paulistas – e todos os brasileiros – terão que preparar o bolso para as consequências que ainda virão. O preço dos alimentos, por exemplo, já está subindo.
“E não só os hortifrutigranjeiros como também a carne, café e açúcar. Além disso, o combustível já está aumentando. A energia elétrica que também já está com as tarifas altas, vai subir ainda mais”, comentou Lobo. “Será um desgaste econômico muito grande para o cidadão comum”.
Outra questão preocupante, segundo ele, será com o desemprego. “Muitas empresas dependem da água e todas dependem da energia elétrica”, falou, “Isso vai trazer consequências muito negativas, e o que está acontecendo em São Paulo é apenas a ponta do iceberg”, pontou o professor.
Luana Ciecelski
Professor Lobo: “Já discutimos durante 30 anos. Chega! Agora é preciso fazer”.
* Saiba mais
O protocolo de Kyoto foi implantado efetivamente em 1997, na cidade japonesa de Kyoto, quando metas de redução da emissão de gases poluentes foram estabelecidas, principalmente para os países mais industrializados e desenvolvidos. Na época foi estabelecido que uma redução de 5,2% deveria acontecer entre 2008 e 2012. Em 2012 o protocolo foi renovado, instituindo que uma diminuição de 18% deveria acontecer até 2020.