Lembro de ter lido um texto de Moacir Scliar em que ele dizia que as datas comemorativas eram, na opinião dele, uma homenagem às classes às quais a sociedade devia mais atenção. Seria uma questão de justiça social, uma tentativa de compensar alguma falta de atenção que seria merecida. Assim era com o dia do índio, o dia da mulher, o dia da criança, etc. Mas, precisam as crianças ter um dia em sua homenagem, se elas são o centro das atenções em qualquer lugar por onde andam? Sim. Precisam.
Quem já leu o livro O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry pode me entender melhor. Existe uma visão mágica no entendimento infantil, na ingenuidade criativa, na capacidade de aprendizado. Lembrar da infância que tivemos é resgatar um pouco destas qualidades. Isto, muitas vezes, vem de forma inconsciente. Não importa como vem. Importa reviver, ainda que por momentos, a infância que tivemos.
Muitas pessoas trocaram suas fotos de perfil na rede social Facebook, pela imagem de um personagem de um desenho animado ou gibi. Isto, dizem, é uma homenagem ao dia da criança, 12 de outubro. Muitas vezes fazemos as coisas pela onda do modismo, sem um maior entendimento do motivo ou impacto psicológico, e ambos existem. Mas para quê entender tudo? Há coisas que nos levam e podemos nos dar ao luxo de ser levados, se esta for nossa opção.
Reviver a infância é reviver nosso universo criativo. É despir-se das falsas certezas do adulto que somos. É nos sentirmos super-heróis, e de certa forma sermos super-heróis. O mundo está repleto de exemplos de pessoas que se destacaram nas artes, na política, nas ciências, nos esportes, e que tiveram uma infância inspiradora. Não necessariamente pelo mesmo motivo inspirador, mas desenvolvedor de potencialidades que poderiam ter ficado latentes. Com vida, mas apagada.
No livro Creating Minds (Mentes que Criam, editora Artmed) o autor, Howard Gardner, faz uma abordagem social-familiar-psicológica relacionada à obra de grandes personalidades que marcaram o século XX: Freud, Einstein, Picasso, Stravinsky, Eliot, Graham e Gandhi. Ele cita que essas pessoas tinham, na sua infância, modelos positivos de uma vida criativa. Tinham apoiadores. E explica: “As famílias desses sete criadores podem ter sido rígidas e conservadoras, mas havia, em casa ou por perto, uma sugestão de que seria permitido tomar seu próprio rumo desde que a pessoa tivesse uma boa explicação. Os pais de Freud aprovavam fundamentalmente que ele seguisse a carreira de sua escolha; o tio de Einstein, Jakob, e seu amigo mais idoso, Max Talmey, estimulavam sua curiosidade e a realização acadêmica; o tio de Picasso financiou sua viagem de estudos no exterior; a casa da família de Stavinsky era um local de reunião para os artistas da época; a mãe de Eliot era poetisa; o pai de Graham tinha um lado artístico; e a família de Gandhi era judiciosa em questões pessoais e permissiva em questões religiosas.”
Neste início de século XXI a maior personalidade criativa parece ter sido Steve Jobs. Dispensa explicações pelo que muito se tem falado. Em seu discurso para uma turma de formandos da Universidade de Stanford, na Califórnia, em 2005, Jobs terminou assim sua fala: “- Eu sempre desejei isso para mim, e agora, quando vocês se formam e começam de novo, eu desejo isso para vocês: continuem sedentos, continuem ingênuos”. Entendi isso como uma alusão ao espírito criativo e simples, como o das crianças, como o das inovações na Apple. Sempre que vejo sua imagem usando calça jeans, tênis e uma camiseta preta, penso que deve haver uma mensagem nisso. Na minha interpretação, vejo na roupa escura o contraste para fogos de artifício imaginários. Por baixo da roupa, por baixo da pele. Como se fosse um personagem infantil em uma foto de perfil de uma rede social. Sedento e ingênuo, como nossos heróis.