No início deste ano tive a ventura de fazer uma viagem ao Peru, mais especificamente ao Departamento de Cusco, onde se situa a lendária cidade inca de Machupicchu. O que me moveu, acima de tudo, foi o desejo de conhecer uma das principais civilizações da América pré-colombiana, ou seja, o Império Inca.
Lamento o fato de ter viajado sem uma leitura anterior mais pormenorizada da história dos Incas e sobre os lugares marcantes do seu império. Fiquei surpreso, por exemplo, em saber que Machupicchu foi apenas uma das referências utópicas do Império Inca. Ao que tudo indica, ela nunca conseguiu ser povoada totalmente, porque sua conclusão coincidiu com a chegada dos espanhóis. Também por isso, ela não foi afetada pela fúria destruidora dos europeus que aqui aportaram com o intuito de expandir seus domínios e saquear as riquezas do novo mundo.
A capital do Império Inca foi Qosqo, hoje, Cusco. Desde 1983 faz farte do patrimônio cultural da humanidade. Diferentemente de Machupicchu, Cusco foi demolida pelos espanhóis. Permaneceram as ruínas e algumas obras de infraestrutura, como ruas e encanamentos de água. O majestoso templo ao Deus Sol (Qorikancha) foi totalmente saqueado. O ouro foi levado para a Espanha; as estátuas, num verdadeiro ato de iconoclastia, foram destruídas e as pinturas apagadas. Sobre suas ruínas foram edificados o Mosteiro e a Igreja de São Domingos.
O pior de tudo foi me dar conta de que esta demolição contou com o apoio de povos indígenas que haviam sido subjugados pelos Incas e acolheram os espanhóis como “libertadores”. Nisto o Império Inca não se diferenciou dos demais impérios da história da humanidade. Todos eles foram edificados com a subjugação (muitas vezes escravização) de outros povos.
A humanidade, infelizmente, não sabe viver sem classes oprimidas. Insistimos em manter mordomias para alguns poucos privilegiados às custas do sacrifício de multidões. Temos isso no Brasil, onde existem classes eternamente privilegiadas. Também o temos nas relações internacionais, onde existem países que insistem em terem prevalência sobre os demais. A desigualdade social dentro do nosso país é gritante, assim como são gritantes as formas com que alguns países ricos tratam os países pobres ou em desenvolvimento.
Além disso, a destruição do Império Inca teve, infelizmente, o apoio da minha Igreja. Fiquei vivamente chocado com uma pintura no Museu Inca, onde aparece Francisco Pizarro cortando a cabeça do Inca Atahualpa. Ao seu lado está um bispo da Igreja Católica, segurando a cruz peitoral numa das mãos e traçando o sinal da cruz sobre Atahualpa com a outra mão. Mesmo sabendo que é apenas uma ilustração, a pintura revela a forma usada para expandir o cristianismo na época da colonização. Governo e Igreja andavam de mãos dadas.
Por isso defendo a independência entre Estado e Igreja e fico feliz quando vejo que existem bispos e pastores se manifestando contra os desmandos do governo. Da mesma forma entendo que o governo não pode se subjugar à vontade das igrejas para aprovar certas leis ou levar em frente as políticas públicas. Que me desculpem os que pensam de forma diferente, mas, para mim, a bancada evangélica no Congresso Nacional é um tumor que precisa ser extirpado. Também devem ser extirpados os tumores formados pelas bancadas ruralista, da bola e da bala.
A viagem ao Peru me valeu muito. Não trouxe grandes “lembrancinhas” e nem comprei muitas roupas (apesar de as ofertas serem enormes). Trouxe alguns livros, que continuo a ler e posso emprestar às pessoas interessadas em conhecerem o maior império pré-colombiano das Américas. Trouxe também alguns CDs (adoro música andina) e várias fotos (muitas já partilhadas nas redes sociais). Tenho o desejo de voltar para Cusco, porque existe muita riqueza cultural que não consegui visitar. E aproveito para lançar um desafio aos professores de história: vamos dar mais destaque às antigas civilizações da América, sem desprezar, é lógico, as grandes civilizações europeias, asiáticas e africanas. A cultura inca está em desvantagem porque os incas não dominavam as letras. As edificações dão conta de que eram especialistas em engenharia, arquitetura e astronomia. Deixaram grandes obras, mas, infelizmente, nada ficou escrito.
Roque Hammes (padre)
Coordenador de Pastoral da Diocese de Santa Cruz do Sul