Era uma vez uma cobra e um vaga-lume. A cobra avistou o vaga-lume e começou a correr ao seu alcance. Onde o vaga-lume ia a cobra ia atrás e, com sua língua comprida e salivando veneno, tentava abocanhá-lo. A cobra era bem maior e mais forte, rastejava rápido e se projetava em saltos. Era fácil localizar o vaga-lume pela sua característica luz intermitente. O vaga-lume não se entregava, mas quase não aguentava mais de tão cansado. Quando a cobra já estava por abocanhá-lo, o vaga-lume parou, se virou para a cobra e levantou a mão pedindo para ela parar. A cobra estranhou, mas parou. O vaga-lume disse: “- Para, para, para. Já que é certo que vais me comer, quero ter direito a três perguntas antes de morrer”. A cobra escorou a cabeça na cauda para pensar por alguns segundos e disse: “- Ok, podes fazer as três últimas perguntas da tua vida”. O vaga-lume perguntou: “- Eu faço parte da tua cadeia alimentar?” A cobra disse “- Não”. O vaga-lume continuou: “- Eu te fiz algum mal?” A cobra: “- Não”. O vaga-lume: “- Então por que tu queres me comer?” A cobra baixou a cabeça e respondeu: “- É porque eu não aguento te ver brilhar”.
Era uma vez um discípulo e um monge. O monge era uma pessoa muito simples, mas de muito conhecimento alcançado pelas vivências, experiências e reflexões. Era também muito humilde e silencioso. Num fim de tarde os dois conversavam num jardim em meio a muitas plantas e árvores. O discípulo, um aprendiz de filosofia, começou a tentar demonstrar todo seu conhecimento citando frases e seus autores, citando textos e passagens da história. O discípulo parecia um mar de sabedoria e fazia questão de demonstrar isso. Enquanto ouvia, em silêncio, o monge buscou o bule do chá que havia aquecido. Colocou duas xícaras na mesa onde estavam. O aprendiz continuava tentando surpreender expondo o que havia aprendido ou decorado, quando o monge começou a servir o chá na xícara do jovem. Continuou servindo até o chá extravasar da xícara. Mesmo assim servia mais e mais, até o líquido encher xícara e pires, escorrer pela mesa e cair no chão. O aprendiz, espantado, perguntou: “- Mestre, o senhor está bem? Não vê que a xícara já está cheia?” O monge respondeu: “- Sim, não cabe mais nada na xícara, assim como não cabe mais nada na tua cabeça. Está cheia de sabedorias. Procura não te sentires tão sábio, para que caiba mais e mais.”
As duas historinhas que citei acima não são de minha autoria, desconheço os autores. Não li, ouvi com outras palavras, e tomei a liberdade de dar corpo na forma escrita. A primeira é uma fábula, e a segunda um miniconto provavelmente fictício. Ambas já são do conhecimento público. O que não é do conhecimento público é o desfecho das duas historinhas. Isto só você e os outros leitores desta coluna ficarão sabendo. Pois, conto-lhes que quando a cobra revelou seu sentimento de inveja, investiu ferozmente sobre o vaga-lume. Antes de consumar sua maldade mortífera, o vaga-lume voou para dentro da xícara de chá do discípulo aprendiz de filosofia. O discípulo não percebeu que o vaga-lume estava no gole de chá. A cobra esqueceu a frustração ao se ver no reflexo do chá, que o monge havia derramado no chão. A cobra viu seu brilho como em frente a um espelho, ficou surpresa e orgulhosa. O discípulo nunca mais precisou usar palavras “difíceis” para expressar suas reflexões, que se tornaram mais coerentes, e suas ideias mais sólidas. O vaga-lume? O vaga-lume havia se escondido na boca do discípulo. Quando este se espantou ao ver a cobra, abriu a boca e o vaga-lume deu uma piscadinha ao monge, que também tinha luz própria. Os dois sorriram e os quatro perceberam que o sol havia nascido para todos, e a terra tinha espaço. Viveram felizes para sempre.