Durante a pandemia, eu perdi a capacidade de planejar o futuro. Nem mesmo o futuro mais próximo escapou disso. Tarefas diárias e da semana surgem, se amontoam e os dias passam como areia em meio aos dedos. Quando se vê já é noite, estou sentado em frente à TV, vendo o noticiário. Aí sim que se torna ainda mais difícil prever ou sonhar com um futuro. Diariamente assistimos um reality show da morte, com os mais diversos personagens que se repetem com falas grotescas, ações imprudentes e um auditório passivo. O elenco é recheado de representantes da mais baixa patente quando falamos de mediocridade. Um bom passatempo para se ter quando percebemos que nossa vida vale tão pouco.
Nas redes sociais estão fotos de pessoas, junções, jantas e tantas outras coisas que dão a impressão de que o “novo normal” é a gente acreditar seguir levando a vida como se não estivéssemos perdendo mil pessoas por dia. Isso faz com que qualquer pessoa em sua sanidade mental acredite que não há futuro no Brasil. Sempre fui aquele teimoso na roda de amigos que disse que vale a pena acreditar no País e na sua gente enquanto ouvia dos outros a sua vontade de ir para a Austrália ou qualquer outro País que pagasse em dólar.
Hoje eu entendo o austríaco Stefan Zweig, que escreveu “Brasil, um País do Futuro”, que se suicidou seis meses após a publicação do livro. Os seus últimos meses foram em Petrópolis, onde deu fim à sua vida ao tomar um veneno junto com sua mulher. Há relatos de que, na verdade, nazistas o assassinaram por ser judeu, o que tornaria a sua história ainda mais melancólica. Gostaria de saber qual seria a sua reação ao saber que o Rio se tornou um território dominado pelas milícias e o fundamentalismo religioso.
Alguns ainda poderiam argumentar que não haveria como prever esse cenário quando o livro foi escrito. Eu diria que o Brasil de hoje repete o que fomos lá atrás. Apenas trocamos o pau-brasil pela soja, pois o desmatamento e os ataques aos ribeirinhos, comunidades indígenas e sem terras pelo agronegócio segue acontecendo, agora potencializado pelo governo federal. O apartheid social e racial se faz ainda mais presente do que lá atrás, quando a escravidão era legalizada pelo Estado. Resumidamente, os atores mudaram, mas o Brasil segue subdesenvolvido, regido por gente que mistura política, religião e idolatria, acompanhado por uma elite que continua detestando o andar de baixo.
Se a tese de Zweig estava errada, não podemos falar o mesmo de Tim Maia. Em tom profético, o músico disse: “Este País não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita”. Não é por menos que ele ganhou o apelido de “síndico do Brasil”. Ou seja, somos um amontoado de contradições que se acentuaram nos últimos anos. Não há nenhuma outra nação como o nosso País, o que faz da nossa tragédia ser tão peculiar, assim como as nossas alegrias tão especiais. Mesmo que o script seja o mesmo e o enredo se repita, não há como dizer que não há entretenimento no presente. Ao menos não falta entretenimento para o brasileiro assistir enquanto o mundo desaba.