Luciana Mandler
No Brasil, segundo dados do Instituto Patrícia Galvão, 503 mulheres sofrem agressão física por hora; uma menina ou mulher é estuprada a cada 10 minutos; e uma mulher é vítima de feminicídio a cada 2 horas. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul emite, em média, 335 medidas protetivas por dia para mulheres vítimas de violência doméstica. Apenas de janeiro a junho deste ano, mais de 60 mil foram concedidas, o que representa um aumento de 16% em relação ao mesmo período de 2021.
“Somos o quinto país com a maior taxa de assassinatos femininos no mundo. É urgente questionar mortes evitáveis e terminar com os feminicídios e com todos os tipos de violência contra a mulher. Esses são os propósitos de movimentos como, por exemplo, o feminismo. Então não venham nos dizer que essa luta não é importante”, acentuou a vereadora Nicole Weber (PTB) na abertura da audiência pública que debateu a violência contra mulheres e o aumento nos casos de feminicídios no Vale do Rio Pardo. A reunião foi na noite de quarta-feira, 17, na Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul.
A audiência foi solicitada por Nicole, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos do Legislativo, e por representantes do conselho municipais de Saúde e de Direitos da Mulher. O objetivo foi reunir entidades da sociedade civil juntamente com a comunidade para tratar do assunto, tendo em vista que, neste ano, cinco mulheres foram assassinadas na região. Apenas no mês passado, houve três feminicídios no Vale do Rio Pardo.
A vereadora destacou que o sentimento é ambíguo. “O motivo de estar nesta audiência é triste. Contudo, se nós, juntos, não mexermos as correntes, vai continuar acontecendo uma audiência pública atrás da outra, somando casos tristes e dores das famílias”, lamentou. Nicole destacou ainda a rede de apoio à mulher de Santa Cruz do Sul, que serve de referência para outras cidades e Estados que ainda carecem de estrutura.
O que disseram
• Eduardo Ritt – Ministério Público: “Este é um problema que não afeta só as mulheres, mas a todos nós, homens, filhos, pais, enfim, é um problema que efetivamente está estrita também ao social. O Ministério Público está aberto para receber e fazer aquilo que for possível em termos legais. Santa Cruz tem Patrulha Maria da Penha, juizado atuante, MP que atua, órgão de Defesa da Mulher, temos vereadores preocupados, temos estrutura invejável e mesmo assim, às vezes não se consegue evitar um mal tão grande como esses últimos ocorridos. Então temos que efetivamente conversar e evoluir acerca do assunto. Importante mostrar que a mulher tem que buscar seus direitos, existe o Poder Judiciário, existe MP. Portanto, precisa ser feito isso.”
• Arnaldo França Quaresma Junior – Defensoria Pública: “Tivemos alguns avanços do plano legislativo, a própria Lei Maria da Penha, em 2006. Tivemos alguns avanços posteriores com a inclusão e fortalecimento de alguns tipos penais, como feminicídio e a temática do crime de violência psicológica, por exemplo. O desafio é tentar incorporar e tentar fazer cumprir as leis. Empoderar essa mulher e ela saber que tem inúmeros meios de fazer essa denúncia.”
• Major Hélcio Gaira – 23º BPM: “A Brigada Militar, desde 2015, implantou como ferramenta de prevenção a esses delitos a Patrulha Maria da Penha, na qual vem sendo fomentada por todos da segurança pública, com apoio do poder judiciário e todos os órgãos, fazendo um trabalho de proteção das mulheres que em algum momento solicitaram suas medidas protetivas de urgência.”
• Capitão Rafael Menezes – Patrulha Maria da Penha: “Depois dos acidentes de trânsito, a violência doméstica é a ocorrência que mais demanda a Brigada Militar. Muitas vezes, o agressor está transtornado. Já formamos cerca de 100 policiais capacitados a atuar na patrulha. Temos, hoje, 411 mulheres em Santa Cruz do Sul dentro da rede de proteção, vítimas de agressão, que a Patrulha Maria da Penha faz a fiscalização de como está sendo o cumprimento dessa medida. Ano passado, tínhamos 317; e, em 2020, 297. Viemos numa crescente que temos de parar e estudar. De janeiro a julho de 2021, tivemos 11 descumprimentos com duas prisões em flagrante. Neste ano, já tivemos 20, com três prisões em flagrante, através de ligações para 190. Temos que discutir e trabalhar esse tema, porque o homem ainda não entendeu que a mulher não é posse de ninguém.”
• Manuela Braga – OAB Subseção Santa Cruz do Sul: “O papel principal da OAB sempre foi defender os advogados e advogadas, mas o nosso papel social é muito forte, que é defender a cidadania, a igualdade, a justiça. E não tem como defender igualdade, justiça e cidadania sem defender a causa das mulheres vítimas de violência doméstica. Defendemos e lutamos pela inclusão pela questão não só de trabalhar violência doméstica, mas questão cultural. Tratamos a inserção nos espaços do poder. Tivemos grandes avanços legislativos, tivemos boas leis protegendo as mulheres, mas precisamos trabalhar para que sejam cumpridas.”
• Camila Pavani – Delegacia Especializada de Violência Contra a Mulher: “Temos buscado trabalhar a questão de violência doméstica e de abuso sexual nas escolas, já pensando nessa prevenção. Também é importante que as mulheres não tenham vergonha de procurar ajuda, de buscar inclusive pela segunda vez o auxílio se preciso.”
• Franciele Stadtlober – Mulher Advogada da OAB/RS: “Nós, como advogadas, atuamos nessa defesa. Somos uma extensão, essas pessoas que estão aqui, trabalham em prol das mulheres.”
• Iara Bonfante – Conselho Municipal dos Direitos da Mulher: “É importante estarmos aqui, mas que bom se não precisássemos estar aqui por esse motivo. Quando uma mulher é agredida, todas nós somos agredidas. Quando criamos o conselho, em 1994, pensávamos na violência moral, no trabalho, e o que está acontecendo é que não conseguimos avançar nos outros tipos de violências, porque a violência doméstica toma conta deste muito tempo.”
• Janaína Freitas – Escritório de Defesa dos Direitos da Mulher: “O que nos traz aqui é uma realidade. Precisamos de políticas públicas efetivas, não queremos mais morrer. Já salvamos várias mulheres. Não podemos mais sofrer violência em nenhum lugar da sociedade.”
• Lidiane Henn – Conselho Municipal da Saúde: “A violência contra a mulher é um problema de saúde pública. É preciso discutir a proximidade e efetividade, e ter sua proteção.”
• Solange Basso – Coordenadoria Municipal da Mulher: “Alguns projetos da coordenadoria já estão sendo pensados, como a construção de um Plano Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres. A prefeita (Helena Hermany) já está em tratativas para ter um dispositivo de denúncia de violência para as mulheres. Trabalhar com as crianças nas escolas para definir os papéis e vínculos familiares.”