Um programa da Rádio Gaúcha, neste interminável 2020, tratava sobre a pandemia (obviamente) e destacava que muitas crianças são mais disciplinadas do que os adultos, nos cuidados de prevenção à Covid-19. Certo participante do programa dizia que as crianças pequenas possuem esse comportamento por ainda não terem assimilado uma ideologia.
A utilização da máscara para prevenir o coronavírus, em algumas ocasiões, é associada a pessoas ligadas à esquerda do espectro ideológico. É um equívoco, pois estamos diante de um problema, acima de tudo, humano (independente de ideologias).
Mas será que crianças (da fase inicial da infância) não assimilam ideologias? Fazendo um exercício de imaginação, vejamos como seria a infância de alguém da classe média, nos anos 80. Influenciado pela televisão, esse alguém assistia desenhos e filmes estadounidenses. No convívio familiar, estava bastante habituado a marcas de refrigerante e pasta de dente, por exemplo. Em resumo, seja através de desenhos, filmes e uma série de marcas, essa pessoa estava assimilando produtos de origem capitalista. De alguma forma, isso poderia gerar uma aceitação inicial do capitalismo.
Vale dizer, seria uma “aceitação inicial”, que poderia sofrer mutações ao longo da vida. Na pré-adolescência (fase final da infância), esse alguém, através de um filme estadounidense (!), passaria a ter percepções maiores sobre a exclusão social. E, na adolescência (infância finalizada), ao entrar em contato com materiais mais críticos, essa pessoa ganharia uma compreensão maior sobre ideias de esquerda. Ao ler um artigo sobre economia em um jornal, por volta dos 17 anos, esse mesmo indivíduo contestaria as ideias de esquerda e, na faculdade, essa pessoa passaria por um “vai e vem” entre o criticismo acadêmico e a realidade econômica do mercado de trabalho.
Anos depois, em um estado que poderia ser interpretado como uma “confusão”, esse indivíduo revisitaria a Revolução Francesa e perceberia que o parlamento formado na revolução era composto por esquerda, centro e direita. E que a “confusão” nada mais era do que um estado de “autocrítica democrática”.