Tiago Mairo Garcia
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Com o final da parceria com a Arcal ao final da Liga Nacional da temporada 91/92 em razão de problemas financeiros enfrentados pela empresa, que acabou decretando falência, o Corinthians teve que partir em busca de novos parceiros para manter o projeto de profissionalização do clube. Romário Haas e Hiran Almeida recorreram inicialmente ao prefeito Arno Frantz e o vice, Telmo Kirst, para buscar apoio e criar um grupo de empresários capaz de manter o time profissional. Internamente, a diretoria do Corinthians acrescentou Flávio Kohmann, técnico do time da AABB campeão brasileiro de basquete em 1980, para ser o novo diretor de basquete, e os irmãos Carlos Roberto e Ricardo Gruendling para reforçar a diretoria tricolor. Após muitas negociações lideradas por Almeida e Haas, a diretoria conseguiu viabilizar recursos com apoio das fumageiras e o patrocínio das empresas Cia União de Seguros, Ticket (empresa de vale-alimentação), Jackar e Pitt, que foi o último patrocinador, dando início à era Pitt/Corinthians.
Com os recursos garantidos, a diretoria tricolor iniciou o planejamento para a temporada 92/93 da disputa do estadual e da Liga Nacional. Rolando e Alvin renovaram, mas Marcel, Parker e Juliano encerraram seus vínculos. O primeiro reforço anunciado foi o ala-pivô Alexandre Cruxen, gaúcho de Caxias do Sul que jogava em Jales, no interior de São Paulo. O clube também acertou a contratação dos alas Evandro e Paulinho Cheidde, dos armadores Raul e Ike, dos pivôs Thunm e Morgan, terceiro norte-americano a defender o Corinthians. Para testar a nova equipe, a diretoria realizou sete amistosos na Argentina. O Corinthians sofreu três derrotas, sendo duas para o Quilmes por 91 a 85 e 89 a 78 e Atenas, campeão argentino, por 89 a 86, venceu o Olimpo por 100 a 98 e sofreu mais três derrotas para Galvez (84 a 79), Echague (89 a 78) e Cañda (85 a 83).
Os resultados ruins começaram a gerar questionamentos internos ao trabalho do técnico Ary Vidal. O clube realizou ainda mais dois amistosos em Santa Cruz contra o Palmeiras, de São Paulo, com a equipe sendo derrotada no primeiro jogo por 88 a 80 e vencendo o segundo por 105 a 97 contra os paulistas. Evandro acabou sofrendo lesão que necessitou de procedimento cirúrgico, situação que irritou o treinador pelo tempo de parada de uma das principais contratações da equipe.
Nasce o Poliesportivo
Enquanto o time se preparava, nos bastidores o clube trabalhava para mudar de casa pela terceira vez. Desde o início da profissionalização e das participações na Liga Nacional, o Corinthians já havia jogado no Ginásio do Colégio Mauá para 1.800 pessoas e no Ginásio da Fisc, com capacidade para até 2.700 torcedores, com ambos sempre lotados nos jogos, havendo necessidade de um espaço maior para acomodar o público. Romário Haas lembra que a ideia de se construir o Poliesportivo partiu do técnico Ary Vidal em conversas com o prefeito Arno Frantz, na sede do governo no Palacinho. “O prefeito Arno aceitou a ideia e perguntou como a gente queria o ginásio. O Ary Vidal viajou e na volta trouxe um modelo de ginásio que o prefeito gostou e mandou fazer”, conta Haas.
Coube aos arquitetos Ronaldo Wink e Milton Keller, que venceram a licitação aberta pela Prefeitura, projetarem o ginásio conforme o edital, que pedia um espaço multifuncional com capacidade para até 7 mil pessoas. A obra teve problemas com rompimento de contrato com a empresa responsável, fato que obrigou a própria Prefeitura a concluir o restante da construção. O Poliesportivo foi entregue em 29 de dezembro e oficialmente inaugurado no dia 15 de janeiro de 1993, já na gestão do prefeito Edmar Hermany, com a obra marcando o segundo mandato de Frantz como prefeito de Santa Cruz.
Para marcar a inauguração da nova casa, o Corinthians disputou o Torneio Internacional Arno João Frantz, quando enfrentou Quilmes (Argentina), Nacional (Uruguai) e Minas (Minas Gerais). No primeiro jogo, o Corinthians venceu o Nacional por 97 a 67. No segundo, vitória sobre o Minas por 89 a 85, e a equipe tricolor confirmou o título do torneio com vitória por 94 a 91 sobre o Quilmes, da Argentina, diante de 6 mil pessoas embaladas pelos cantos das torcidas organizadas Tô-Tri e Máfia tricolor, para erguer a primeira taça com o capitão Raul na nova casa. Alexandre Cruxen destaca que a conquista apresentou o Ginásio Poliesportivo para a comunidade. “Foi um momento esperado pela comunidade de Santa Cruz e região. Estávamos treinando forte e jogamos bem. Além do título que ficou aqui, apresentamos um ícone na época que foi o Ginásio Poliesportivo”, lembra o ex-jogador.
No estadual, o Corinthians manteve a supremacia e conquistou o sétimo título novamente com facilidade. A supremacia e a força do tricolor esvaziaram o campeonato, que contou com apenas quatro times: Corinthians, Sogipa, Rio Grande e Guanabara. No quadrangular semifinal em Santa Cruz, o Corinthians “trucidou” os adversários ao vencer o Rio Grande por 129 x 49, Guanabara por 125 x 44 e Sogipa por 97 a 56. Na final, após uma semana de provocações na imprensa em razão da rivalidade, a equipe santa-cruzense enfrentou novamente a Sogipa, em uma série melhor de cinco jogos. O Corinthians não deu chances para os porto-alegrenses e com vitórias tricolores por 107 a 96, 130 a 77 e 87 a 72, com direito a show de enterradas de Alvin, Evandro (Mister enterrada) e Morgan no último jogo, selou o tri-consecutivo com 3 a 0 na série e o primeiro título estadual conquistado na nova casa tricolor.
Cruxen frisa que o estadual foi importante para aproximar o Corinthians com o torcedor das demais cidades do interior, fato que criou uma identificação com dos gaúchos com o time santa-cruzense. “Quando o Corinthians ia jogar fora de casa, era uma atração à parte e isso era muito legal. O ginásio estava sempre cheio e mesmo que a gente vencia, sempre respeitando o adversário, o reconhecimento da torcida era muito bacana. O time dava autógrafos e tirava fotos. A gente nunca foi mascarado e isso criou uma identidade que refletiu no apoio que tivemos no nacional, com torcedores de várias cidades”, destaca o ala-pivô.
Sobre os resultados elásticos no estadual, Cruxen lembra a cobrança interna do treinador em manter a régua sempre alta nas partidas do estadual. “O Ary cobrava para a gente sempre jogar com seriedade. Se vencíamos por 15 pontos, por exemplo, no outro dia era estampado no jornal o resultado e o Ary fazia uma cobrança forte. No jogo seguinte vencíamos por 40 pontos de diferença”, lembra o ex-jogador.
A demissão e a volta de Ary Vidal
Embalado pela conquista de dois títulos em casa e reforçado com as chegadas do ala-armador Alberto e do pivô Macetão, o Pitt/Corinthians estreou na Liga de 93 confiante em brigar pelo título nacional. Tudo caminhava bem até o confronto com Jales, em Santa Cruz do Sul, em duelo que valeu a liderança da chave na fase classificatória. Uma discussão entre Evandro e o técnico Ary Vidal durante a partida e a derrota para a equipe paulista por 85 a 83, justamente para o algoz nas eliminações da semifinal de 91 e na segunda fase em 92, expôs uma crise pública que levou o treinador a pedir demissão, fato que gerou grande repercussão na comunidade.
Após uma reunião interna, a diretoria do Corinthians decidiu afastar e posteriormente rescindir com Evandro. Flávio Kohmann e os irmãos Gruendling deixaram os cargos na direção, com o clube anunciando Nelson Tech, campeão estadual de 58 com o Corinthians, como novo diretor de basquete. Com muita habilidade, a direção conseguiu demover a ideia de demissão e três dias depois Ary Vidal retornou ao comando da equipe.
Com a crise contornada, o clube santa-cruzense avançou para as quartas de final onde enfrentou Ponta Grossa e Rio Claro, em um triangular para decidir uma vaga na semifinal. Após vencer os paranaenses, o Corinthians enfrentou Rio Claro no Poliesportivo. Após sofrer uma cotovelada do pivô Caio, o ala–pivô Cruxen revidou a agressão e acabou sofrendo falta técnica, que resultou na sua exclusão da partida por cometer a quinta falta. O fato revoltou Cruxen e acabou desestabilizando o time santa-cruzense, com o tricolor sendo derrotado por 120 a 103 pelos paulistas.
Após o jogo, Cruxen foi tirar satisfações com a arbitragem e se formou um tumulto generalizado com revolta da torcida no Poliesportivo pelo lance. No jogo de volta, em Rio Claro, o Corinthians teria que vencer por 18 pontos para se classificar no saldo de cestas, mas acabou vencendo por 79 a 78, sendo eliminado da competição. A despedida precoce fez Ary Vidal e diretoria avaliarem o trabalho e projetar a temporada seguinte, sendo a mudança de rumo que eternizou a Era Ary Vidal para a história.