Uma pergunta reverbera em milhões de bocas e há muito tempo: Quem foi melhor, Maradona ou Pelé?
Com sua característica sagacidade, Diego mesmo falou a respeito: “Se Pelé é Beethoven, eu sou Ron Wood, Keith Richards e Bono, todos juntos”.
Racionalmente, cravar uma resposta categórica é muito difícil. Estiveram no auge enquanto atletas em tempos distintos, o próprio tempo do futebol, cada vez mais rápido, era diferente. E como tal eram os sistemas de jogo e os adversários, os recursos de preparo físico e fisiologia do esporte.
De fato, se melhor, não sei. Maior, sim!
Provocado certa feita sobre suas origens, as quais nunca renegou, El Pibe de Oro não hesitou: “Me criei em um bairro privado, privado de água, privado de luz, privado de comida, privado de tudo”.
Ao lembrar da mãe contou: “Sempre que chegava a hora de comer, minha velha dizia: ‘Me dói o estômago’. Era mentira. Ela sabia que não havia comida para todos e queria que nós pudéssemos comer”.
Questionado sobre a impressão que tivera ao conhecer o Vaticano e a Basílica de São Pedro, seu sangue e verve latino-americana pulsaram: “Entrei no Vaticano e vi o teto de ouro, olhei para o lado e mais ouro enxerguei. Falei para mim mesmo – ‘Como podem ser tão f.d.p de viver aqui e depois sair a beijar as bochechas de crianças pobres’. Foi aí que deixei de crer”.
Cobrado por seu posicionamento político, pelo reconhecimento à causa Palestina, pela admiração por Fidel, ‘Che’, Perón e Evita, Cristina e Néstor, Lula e Dilma, Mujica, Chaves, Evo, gritou: “Sou completamente esquerdista, de pé, de fé e de cérebro”.
Desafiado a falar sobre a toxicodependência, apontou o dedo para a hipocrisia social: “Me drogo, sim, mas não vendo cocaína, não trafico armas, não roubo do povo. Me droguei a primeira vez na Europa e foi para me sentir vivo”.
Impedido de, por ocasião da Copa do Mundo, entrar no Japão, sob a justificativa de ser uma má influência, esperou pelo ingresso da seleção estadunidense e cobrou: “Um doente é uma má influência para as crianças japonesas e quem jogou duas bombas atômicas sobre suas cabeças, não?”
Simplesmente julgá-lo por adicto é raso e cruel. Alguém já se perguntou o que ele e todos os demais dependentes procuram nas drogas, no álcool, nos ansiolíticos e antidepressivos? O que lhes falta que buscam preencher, justamente nelas? O que elas oferecem que nós – Estado, Sociedade, Família – lhes subtraímos? Por que fracassam as campanhas de prevenção? Quais as implicações do sucesso, da fama, sobre a psiquê de um guri, pobre, pouco instruído, originariamente tímido, um índio cabeça preta sul-americano condenado a ser a estrela em cada ladrilho que pisava? O que aprisionava Diego? Do que desejava se libertar?
Maradona, gênio com a bola nos pés, encantou o mundo, deu alegrias imensas ao também sofrido povo argentino, vingou o país das Malvinas contra os ingleses – com La Mano de Dios -, teve consciência de classe, assumiu um lado, abdicando do conforto da neutralidade (falsa em si mesma), não se dobrou ao mandonismo da cartolagem e aos interesses corporativo-midiático-empresariais, não calou diante da ditadura militar (pagando o preço de não ser convocado por Menotti, em 1978), solidário, não cansou de denunciar as injustiças sociais e os que fazem sangrar a Latino América.
No mundo do futebol (dentro e fora de campo), acentuadamente alienado, conservador, aderente aos poderosos, acrítico; Maradona fez a diferença, autêntico, corajoso, independente, transgressor, sanguíneo, rebelde, irreverente e militante.
Um anti-herói declarado, um Deus pecador (Galeano) e um humano. Assim como qualquer um de nós, um Ser complexo, com suas fragilidades e potências, passível de acertos e equívocos, dos melhores gestos e no segundo seguinte de atos reprováveis.
Que aproveite, com um bom habano, o silêncio que nunca teve na vida!
Al Más Grande de Todos, Hasta Siempre!