Minha irmã Maria postou uma foto realmente linda de um arco-íris captado em uma propriedade rural onde ela se encontra em isolamento social pandêmico. Entre os comentários, um me chamou especial atenção: de que “esses instantes (belos) acendem na gente a certeza de que, sim, vai passar”. Referia-se, evidentemente, que vão passar os momentos terríveis que o mundo está vivendo com essa peste. O comentário teve a minha adesão instantânea e comovida, mas o anjo cético acordou da sesta mal humorado. Que mania essa, humana, de achar que é a razão do universo, plantada em nós especialmente pelo Cristianismo, em que o Homem é o aspecto central, não só da Natureza como dos projetos de Deus! Quando se sabe que a Terra e o Universo estariam muito bem, obrigado, sem a presença do humano e o arco-íris aconteceria desvencilhado de presságios ou potes de ouro e mesmo sem alguém que lhe chamasse de belo, enquanto um mamífero gigante atravessaria a paisagem. Seria belo?
Em uma matéria da imprensa voltada a temas científicos, outra pérola: “os animais não veem as cores como elas realmente são”. Ora, as cores realmente não são senão para quem as vê, com tais e tais células sensíveis, interpretadas pelo cérebro que as significa. A cor não é, nós somos. Nós somos as cores e o belo. E tanto faz para aqueles átomos arranjados ao acaso atmosférico que nós os achemos lindos ou alvissareiros.
Sempre ouvimos dizer que o arco-íris é sinal de que a chuva vai passar, mas não é bem assim. Tem mais a ver com o tal “casamento da viúva”, ou “casamento da raposa”, como se chamava no longínquo Pai-Passo, onde o fenômeno foi flagrado pela câmera da minha irmã. É quando a chuva e as nuvens não impedem totalmente a dispersão da luz do sol e eles se misturam por um determinado espaço e tempo.
Naquela quarentena do Pai-Passo, no extremo oeste riograndense, minha irmã conta com a companhia de um eterno amigo, o engenheiro e artista plástico uruguaio Pedro Laporte, já vacinado do lado de lá. Um ser que exige estética desde que acorda até adormecer. Alguém que consagrou a vida ao mosteiro da beleza e desde o claustro libera surpreendentes arranjos de cores e tintas sobre a tela, instalações sobre o jardim, artefatos de ferro, pratos e drinks.
A surpresa com o arco-íris, a ideia ou desejo de mudança inscrita no encontro da chuva com o sol, o olhar de deslumbramento para com os objetos mais simples nos quadros do Pedro, a capacidade de ver além do que exige a mera subsistência, essa pulsão criativa, não são garantia de que algo acabe, mas de que somos capazes de transfigurar o que nos cerca e pairar sobre as contingências. Não desejamos que a vida passe, a queremos inteira, com todos os seus problemas e os seus dias sem luz. Vemos cores, vemos arte; somos espanto, alegria e vontade.