Isso foi antes do Costa saber que ela havia fugido com o entregador da Amazon. Terceirizado, é claro, jovem, moderno, com um equipamento que captava a voz. Ele ordenou com um tom suavemente rude e autoritário que a excitava:
“Diz seu nome em voz alta”.
“Anita, com um ‘n’, Soares da Costa”.
E encostou os seios na grade do portão enquanto acompanhava o último trâmite do equipamento digital. Era a terceira vez que vinha o mesmo entregador e ela já pensava o que mais comprar, quando ele ergueu o olhar como se acabasse de despertar. Um demorado olhar, enquanto ela levava a chave à fechadura.
A vizinha bem que estranhara aquela Fiorino branca estacionada há mais de uma hora.
O Costa havia retornado ao presencial lá pelo quarto mês da quarentena, pois o chefe sentenciou que “a brincadeira tinha acabado e a economia tinha que girar”. O emprego não era lá essas coisas e a firma era daquelas firmas do tempo em que havia firmas e empregados. Ficava num prédio feio e quadrado.
Mas isso foi muito antes da vacina, um pouco depois de desistirem da academia virtual, quando ainda cultivavam a horta, que depois o cachorro destruiu deixando lá no pátio, onde agora chove, a tela rasgada e as vergas achatadas com algumas mudas de couve que insistem em rebrotar.
Anita já tinha a mochila às costas e olhou com certo desprezo o closet e as roupas caretas que não levaria, roupas era o que menos precisariam naquele lugar que ele havia falado, que em qualquer lugar do mundo se pode entregar uma encomenda, toda crise é uma oportunidade, aprendera naquele curso. É agora, não há por que hesitar, quem sabe faz a hora, empreender a própria vida, o Costa dá conta, e o cachorro vai ficar melhor aqui.
Costa teve que apertar várias vezes o controle remoto da garagem. “Trocar a pilha do controle”, escreveu na prancheta grudada no painel. Desceu com as compras e entrou pela área de serviço onde já estavam o spray de álcool 70%, o sabão e o tanque.
“Oi, amor”.
Viu o pacote sobre a mesinha da sala e subiu para o quarto. Estranhou a casa em silêncio, sem TV ligada, sem podcast rodando. Subiu para o quarto e os armários lhe deram um recado incompleto. Retornou ao pacote, desembrulhou-o, eram as N95. Seu coração bateu mais forte, olhou para portão mal fechado.
“Anita, a máscara!”