Não sei se o prefeito da capital gaúcha é gremista ou colorado. Se é gremista, trata-se de alguém com quem não compartilho nenhuma convicção. Agrego, ainda, que foi eleito com o apoio de extremistas, com os quais provavelmente contaria em uma reeleição, mesmo carregando a sigla do PSDB, partido do qual aqueles têm procurado se afastar.
Como prefeito, tentou impor sua agenda de governo sem levar em consideração o Poder Legislativo e desprezando os caminhos institucionais. Levou muitos tombos e praticamente não conseguiu governar. O impeachment, várias vezes proposto na Câmara sem sucesso, hoje é uma forte possibilidade, devido à perda de importantes aliados.
Quatro anos se passaram de um dos momentos políticos mais corrosivos e obscenos que a minha geração já presenciou: a votação do impeachment da presidente Dilma, na Câmara de Deputados. Independentemente do que se pense sobre os governos petistas e da corrupção sistêmica que aflorou na operação Lava-Jato, lá estavam os personagens mais abjetos da República, comandados por Eduardo Cunha, que dispensa apresentações, enrolados em bandeiras do Brasil e dedicando aos filhos, aos netos, à mãe, ao torturador Ustra, a Deus, à Pátria seu voto “sim” pela interrupção, sem crime de responsabilidade, de um governo eleito. Um a um daqueles representantes foram sendo desmascarados, nos anos que se seguiram, em venenosas transações. O desprezo pelos políticos e pela democracia chegou ao seu ápice e ninguém estava mais interessado no que dizia a Constituição. Seguiu-se o governo Temer, que ninguém quis assinar, mas que deu início à política econômica hoje comandada por Paulo Guedes e trouxe desemprego, informalidade e desamparo aos trabalhadores. A peste veio coroar esses esforços e a “boiada” dos interesses inconfessáveis representados pelo atual governo vai passando, enquanto o povo boquiaberto aguarda o dia do auxílio emergencial.
Lembro essa trajetória infame apenas para ilustrar como a Democracia é um delicado equilíbrio, que ao ser atropelado por aqueles que se julgam mais fortes em um determinado momento, mesmo calçados em algum clamor popular, se desfaz rapidamente. O caos gerado leva muito tempo para tomar forma e a tendência é os magoados buscarem a retaliação.
Marquezan traiu seus aliados ao impor medidas restritivas no combate à Covid-19, ao não liberar as emendas parlamentares – 1 milhão para cada – e ao demitir pessoas ligadas a eles. Tais colaboradores foram contratados através do “Banco de Talentos”, que o prefeito criara justo com o objetivo de acabar com nomeações políticas. Sim, tratava-se de escamotear nomeações políticas. Este, a meu ver, seria um motivo mais sério para um eventual impedimento. Mas não é o preferido. Assim como ocorreu com a presidente Dilma, há um clima de derrubada pelo “conjunto da obra”, o que é absolutamente inconstitucional e apenas reflete mágoas, ranços e estratégias políticas, às vésperas de uma eleição.
A banalização dessa forma de derrubar um governo eleito enfraquece a Democracia e tende a transformar a política em uma luta de aniquilação mútua em que o que menos importa é o bem estar dos cidadãos.