Há alguns dias assisti a uma entrevista no programa da Marilia Gabriela no canal GNT. Ela entrevistou Selton Mello e Paulo José, atores do filme O Palhaço, recentemente lançado nos cinemas. Selton Mello assina também a direção do mesmo filme. Os dois já são ícones das artes cênicas no Brasil: teatro, cinema e televisão. Paulo José, um ator que acumula a experiência de 38 filmes, foi dirigido por um colega bem mais jovem que ele. Ele elogiou Selton Mello, mas me chamou especial atenção a declaração de que, ao dirigir o filme, o diretor sabia o que não queria, e o que queria ele ia descobrindo na condução do processo, na trajetória da obra. Segundo Mello, O Palhaço é fruto de um ano de pesquisas e estudos sobre esta arte circense. Então, como pode ter sido descoberto o que queria apenas no exercício da construção? Ocorre que para construir algo novo é preciso que de certa forma se desconstrua o que já existe naquele espaço. Seja no espaço físico, ou no espaço mental. Para dar vida a um personagem é preciso entregar-se a ele: interagir, sentir, viver seus desejos e frustrações, suas angústias e alegrias. Quando um artista vive um papel que já foi interpretado por outro, continua sendo interessante e desafiador. É sempre uma releitura pelos olhos, expressões e sentidos. É emprestar sua fala e sua voz, sua respiração e seu ar. No filme, o palhaço Pangaré (Selton Mello), filho do palhaço Puro Sangue (Paulo José) são dois personagens criados pelo diretor. Em um momento do filme, Pangaré, que faz todos rirem, se pergunta quem faz o palhaço rir. Parece que o personagem também busca respostas na sua construção, paralelamente à construção do filme. Às vezes as perguntas são as respostas possíveis.
Este ano um outro filme, A Árvore da Vida, do cineasta Terrence Malick, venceu o prêmio máximo do Festival de Cannes. Daniel Rezende, um brasileiro de 36 anos, foi um dos escolhidos por Malick para editar o filme. Em uma reportagem na revista Época do mês de agosto, quando o filme estreou no Brasil, Daniel fez várias declarações, como a de que, ao contrário dos atores, diretores e roteiristas, que costumam conquistar a atenção do público e se tornar celebridades, um grande montador pode passar toda sua carreira sem ser conhecido fora do seu entorno. Disse, ainda, que “o montador é um cara que tem de entender aonde o diretor que chegar, e conseguir chegar lá usando o que ele filmou. Nem sempre ele filmou exatamente o que quer”. Mas, foi por outra declaração que Daniel me transformou em um fã de Malick. Após ter editado as sequências lentas e contemplativas, com a poesia visual ao estilo do diretor, Daniel ouviu de Malick: “- A cena está certa, mas quero que você faça errado, para descobrir algo novo”. Malick também não é para qualquer um.
Aprender na trajetória dos fatos o que se deseja, e realizar os desejos sem que os fatos ou circunstâncias sejam os que gostaríamos que fossem, parece estar nisso a graça da vida. Vivemos buscando, mas quando não estiver sendo possível o encontro, precisamos dar mais valor à busca. O encontro começa pelo aprendizado do que não queremos encontrar. Talvez termine ao encontrar um fato errado, mas descobrindo assim algo novo.