Imagino se essa pandemia tivesse ocorrido quando eu tinha dezoito, dezenove anos e fosse exatamente o que era então. Acho muito difícil que eu seguisse as regras do afastamento social, atendendo aos apelos da OMS e aos imperativos do conhecimento científico.
Li em algum lugar uma pesquisa que afirmava a existência, no coquetel de hormônios a que estamos sujeitos na adolescência, de uma indução bioquímica ao egoísmo. Longe de querer o mal, é apenas a incapacidade de ver o mundo além de si, como uma sutil lobotomia. Algo que não está presente na infância, surge na adolescência e com a maturidade, espera-se, é superado.
Acredito nisso, a partir de lembranças da minha própria vida. Por isso, ao ficar sabendo que a juventude é o principal vetor do atual recrudescimento dos casos de Covid e ao ver por aí o pessoal se reunindo e burlando os cuidados que poderiam reduzir óbitos e sequelas até a chegada da vacina, que está logo ali, não me sinto em condições de julgar. Amo a juventude, e quem não a ama certamente a odeia. Não há como ficar inerte à contemplação do miolo da vida.
Havia um grupo de uns vinte e cinco jovens na praça perto da minha casa, de onde se pode ver o pôr-do-sol. Em torno de noventa por cento era do sexo masculino. Todos conversando animadamente, regados com os temperos habituais dessa fase da vida. Nenhum usava máscara. Se houvesse alguns com máscara, nem me chamaria a atenção. Mas esse “nenhum” ficou pra lá e pra cá nas minhas ideias. Já tinha visto outra cena semelhante de um grupo que estava em pé na calçada em frente a um bar do Centro. Por que “nenhum”? É certo que, se encontrássemos cada um desses jovens por aí, muitos deles estariam usando máscara ao se aproximar de outras pessoas ou ao entrar em um comércio. Mas ali, nenhum.
Só há uma conclusão possível, a de que existe naquele grupo, caracterizado por faixa etária, sexo e não sei se classe também, um conjunto próprio de normas e sansões. O que aconteceria se um deles resolvesse estar ali de máscara? Como seria visto pelos demais? Um covarde, provavelmente. Um ser que se deixa conduzir por fraquezas e medos e que talvez não seja capaz de assumir os riscos inerentes a uma vida interessante ou não esteja à altura de disputar as fêmeas da manada, sendo o amor, então, apenas uma armadilha da espécie. Um dominante jamais usaria máscara. Evidentemente, conto aqui com a presumível ignorância sobre o detalhe técnico de que usamos máscaras mais para proteção dos outros do que de nós mesmos.
Talvez aquele episódico egoísmo de que falava antes, da mesma forma que esse andar em bandos, destine-se no final das contas a um latente ritual de acasalamento, onde as fêmeas escolherão um espécime macho por suas características comportamentais e o macho escolherá a fêmea por suas qualidades fenotípicas. De maneira que, eventualmente, em pleno século XXI, ainda nos deparamos com esse humano afloramento do Paleolítico.