O clima da Copa, que envolve intensamente o país nos últimos dias, é propício para retomar um tema clássico ligado às análises sobre o peso do futebol na cultura nacional e na consciência popular.
Há um estereótipo que ainda faz sucesso em certos círculos intelectuais: o de que o futebol é um elemento da alienação em que vive o povo (leia-se: os pobres). O futebol cumpriria entre nós o clássico papel do “circo” da fórmula “pão e circo”. Ligado no esporte o pobre esqueceria sua situação de exploração, viveria imaginariamente vitórias do seu time como se fossem suas e isso o ajudaria a suportar sua situação de opressão sem reclamar.
Sem pretender ir a fundo no assunto, cabe lembrar que a análise mais famosa sobre a alienação é a do filósofo Karl Marx, com o conceito de alienação do trabalho. Em palavras simples, alienação é o estranhamento do trabalhador em relação ao mundo social que ele ajuda a construir pelo seu trabalho. Ao invés de reconhecer esse mundo como fruto do seu trabalho, ele o percebe como algo exterior, estranho. Esse estranhamento reflete-se também nos outros seres humanos e em si mesmo. É, portanto, uma percepção distorcida da realidade, cuja origem está na separação do trabalhador em relação aos meios de produção, que são propriedade privada dos capitalistas. A superação da alienação só é possível pela extinção da propriedade privada dos meios de produção. Dessa abordagem marxista são extraídas conclusões variadas, algumas apressadas, como a da alienação do futebol.
Não é preciso ser marxista para concordar com Marx que a dinâmica capitalista atual é a prova provada de que a humanidade não tem meios eficazes de controle sobre o mundo que nós, humanos, construímos. A alienação é um elemento da vida social caracterizada pela ausência de meios eficazes para entendermos o que se passa e de meios para decidir os rumos do nosso mundo.
Isso é uma coisa. Outra coisa é dizer que o esporte aliena, o que é uma grande bobagem se dita como verdade universal. O esporte aliena tanto quanto comer, beber, fumar, ter uma religião, acreditar em astrologia ou no destino. Ou seja, não tem nenhuma relação direta ou necessária.
Se alguém pensa que ser consciente (não alienado) por estes dias é torcer contra a seleção brasileira, torcer pelo fracasso do evento Copa do Mundo ou insultar a nossa Presidente da República em algum estádio, esse alguém está tão longe do pensamento de Marx quanto a Espanha está do título mundial de 2014.
Supera-se a alienação através da busca cotidiana pelo entendimento dos fatos que acontecem perto e longe de nós, adotando uma postura crítica, participando ativamente da vida política e social. Fazendo isso, pode-se torcer à vontade pela seleção e pelo time do coração. Futebol é um entretenimento, uma diversão, que só aliena quem é alienado.
E não custa repetir: insultar a Presidente da República, ou insultar qualquer pessoa em qualquer lugar, é apenas falta de boa educação. Nada mais.