O atentado ao jornal francês Charlie Hebdo não deve nos conduzir à ideia simplista de que há uma guerra entre Ocidente e Oriente, civilização cristã e muçulmana, ou outras simplificações. A análise do cientista político Benjamin Barber na obra “Jihad x McMundo” (Record, 2003) mostra que o embate de fundo é entre as forças do capitalismo globalizante e as forças contrárias a esse capitalismo excludente. E que a verdadeira solução para o terrível fenômeno do terrorismo é a relação democrática entre as nações e uma ordem econômica includente.
O que temos hoje é a polarização entre duas forças igualmente anti-democráticas. O lado das potências capitalistas, promotoras da globalização (McMundo) e o lado das forças do tribalismo e do fundamentalismo reacionário (Jihad). As forças tribalistas não estão apenas em países distantes: estão também dentro dos países avançados, abrigados em movimentos de defesa das comunidades locais, etnias, etc. Mas, é no islã e no fundamentalismo muçulmano que estão as expressões mais fortes da Jihad, onde há uma disposição férrea de enfrentar a cultura ocidental. Esse é o berço principal do terrorismo atual.
A relação das potências ocidentais com esse mundo complexo do islamismo tem sido desastrosa, para dizer o mínimo. As intervenções e guerras, em grande parte motivadas por interesses econômicos ligados ao petróleo, vêm colocando gasolina no fogo alto dos conflitos e atiçando o ódio contra os Estados Unidos e seus aliados.
Esses conflitos políticos e militares são parte da globalização contraditória em curso. Enquanto a globalização mantiver suas características excludentes, parte importante das populações pobres continuará odiando as potências capitalistas, especialmente os Estados Unidos, e aplaudirá os ataques terroristas, vendo nos terroristas agentes da vingança dos pobres contras os ricos, das vítimas contra os algozes. O terrorismo é legitimado por parcela dos oprimidos mundo afora.
A saída para o terrorismo é política. É pela construção da democracia que esse mal pode ser vencido. Mas, é possível globalizar a democracia no atual contexto da globalização econômica? É difícil, e é necessário. Está em jogo a disputa da alma dos jovens, divididos entre os apelos tecnológicos e as delícias vazias do capitalismo (McMundo) e a reação aos valores capitalistas e afirmação das identidades tradicionais (Jihad).
Superar essa polaridade não é tarefa simples, nem rápida. Quem pode impulsionar as mudanças em favor de uma democracia global? A globalização da democracia não virá dos mercados, pois os mercados por si não são próprios para gerar dinâmicas democráticas. Também não será impulsionada pelos Estados nacionais hoje existentes, pois o poder governamental está entrelaçado com os poderosos interesses econômicos que vêm dirigindo a globalização. A tarefa da globalização democrática depende fortemente de uma sociedade civil global.
A construção dessa sociedade civil global é tarefa para muitos anos. Há meios tecnológicos para viabilizá-la e há movimentos em seu favor. A tarefa lenta e difícil é construir uma cultura política democrática cosmopolita, que veja as diferenças como diferenças, não como razão para ódio e guerra.