Início Opinião A pressa pode ser amiga da perfeição

A pressa pode ser amiga da perfeição

Desde criança, tinha uma ideia mítica e heroica dos arquitetos brasileiros. Era a consequência da ressonância do projeto de Brasília, especialmente na Espanha dos anos 60. Isso influenciou decididamente minha vocação e foi marcante entre os estudantes da Escola de Arquitetura de Madrid, que passavam todo dia em frente da fascinante abstração da “Casa do Brasil”, na Cidade Universitária, magnífico projeto de Alfonso d´Escragnolle Filho. É fácil imaginar, portanto, o quanto tem sido apaixonante trabalhar no Brasil.
A conjuntura brasileira contrasta com a estagnação da Europa. Contudo, este Brasil em pleno avanço pode extrair muitas lições dos acertos e, acima de tudo, dos erros cometidos nos anos de crescimento econômico no Velho Continente. Analogia importante refere-se à Copa do Mundo de 2014 e à Olimpíada de 2016: o aproveitamento de grandes eventos esportivos como oportunidade para empreender transformações urbanas tem sido um dos catalisadores icônicos de desenvolvimento das cidades e núcleo de histórias de sucesso na Espanha desde os Jogos Olímpicos de 1992.
Bons exemplos são os de Bilbao, com um projeto para o novo museu Guggenheim, e de Oviedo, com seu centro cultural, assinado por Oscar Niemeyer. Porém, nem sempre observa-se êxito. Na Espanha produziu-se, nesses anos, uma arquitetura brilhante, que chegou a merecer exposição no MOMA de Nova Iorque, mas também se construíram edifícios caríssimos, “fogos de artifício” arquitetônicos, cujos únicos beneficiados foram políticos e empresários motivados apenas por projeção pessoal ou lucro.
O caso positivo mais instrutivo é o de Barcelona e da sua aposta na planificada transformação estratégica. A palavra urbanismo nasceu com o trabalho de Cerdá para a primeira expansão (Eixample) da cidade, onde a insistência na qualidade tem sido promovida nas últimas décadas pela administração pública e a sociedade.
As escalas dos desafios das cidades brasileiras e de Barcelona são diferentes e não se deve subestimar a dificuldade de resolver o premente problema da habitação e de serviços urbanos. Não obstante, acredito que seja um bom momento para defender a qualidade material e conceitual da arquitetura e do urbanismo no Brasil.
Em algumas conversas com Jaime Lerner – com quem tive o privilégio de trabalhar nos últimos anos, colaborando no projeto para a revitalização do Cais Mauá de Porto Alegre –, ouvi sua opinião de que a pressa é amiga da perfeição, no sentido de que quanto antes se puder terminar algo, mais rapidamente se poderá corrigir, se necessário.
No caso do Brasil, é importante evitar que a pressão relativa à Copa do Mundo seja pretexto para projetos medíocres e obras mal construídas. Não há muito tempo, mas se combinarmos o entusiasmo, a extraordinária capacidade profissional existente no País e a melhor arquitetura, as cidades serão uma grande vitrine para o mundo. Ademais, ficará estabelecido um referencial físico de qualidade urbana.

 *Diretor da b720 Arquitectos, com escritórios na Espanha (Barcelona e Madri) e no Brasil