OPINIÃO
Eu me vejo no cemitério, sem ver nada direito, durante o enterro dos meus pais”. Essa primeira frase do impressionante livro de estreia de Rodrigo Breunig antecipa outras perdas, porque a morte dos pais é, sem dúvidas, a mãe de todos os abandonos.
A ação se passa na zona urbana e arredores de Santa Cruz do Sul, RS, onde nasceram Rodrigo Breunig, o escritor, e Lucas Bauman, o protagonista. Ambos são jovens, um tantinho inconsequentes. Só um tantinho, porque um germano-descendente jamais se atira de alma e corpo à irresponsabilidade. Uma inconsequência cheia de culpas… fulcral no desenvolvimento da narrativa.
O adolescente Lucas Bauman, mora numa rua com extremosas que florescem no verão, e onde cantam sabiás-laranjeira. Os viajantes acham-na uma limpa e calma numa cidade limpa e calma. Atrás das portas das ruas floridas, porém, todas as tragédias! Ao entrar em casa pela primeira vez, depois do enterro dos pais, Lucas vê as horas no relógio da mãe, de ponteiros fosforescentes, recarregados pela luz do Sol. O jovem passou a usá-lo: mesmo com uma pontinha quebrada por alguma queda, ainda funcionava. Assim, numa história cheia de metáforas e implícitos, Lucas é obrigado a amadurecer. Mas sua visão resta nítida apenas o suficiente para viver, e para completar certa missão que se impõe. No demais, continua a não ver nada direito.
Andar de bicicleta como os amigos fora sua maior aventura de criança e adolescente. Corriam como loucos, em excursões para as geografias mais perigosas da região. Uma delas, era campo de golfe do Country Club, ao interior do qual não tinham livre acesso à luz do dia, pelo simples fato de não serem sócios. O muro de pedras, mesmo baixo, era o limite para eles. Ah, esse muro tão difícil de ultrapassar, a vida
- Valesca de Assis – escritora