Início André Pinto A LEI, O JOELHO E A CARTEIRADA

A LEI, O JOELHO E A CARTEIRADA

Tenho asco ao carteiraço, à arrogância, à soberba e à prepotência! Heranças de uma sociedade hierarquizada, escravocrata, saudosa de ditadores, em que o caudilho coronel ainda é semente fértil e o mal hábito da ‘república dos bacharéis e dos doutores’ resiste como erva daninha.

Os senhores e pretensos senhores da Casa-Grande, tais quais suseranos feudais, ainda teimam em exigir submissão da Senzala e de tudo onde ela se encontra representada.

Desafortunadamente, a maioria de nós conhece alguém que trata mal o garçom, espezinha o guarda de trânsito, é estúpido com o fiscal da Prefeitura, assedia as funcionárias, que humilha qualquer um, em relação ao qual, ele se sinta superior ou mesmo dono.

Expressões como “eu pago teu salário”, “eu sou mais que você”, “você sabe com quem está falando”, “cidadão, não, engenheiro civil, formado, melhor que você”, “você é um ninguém, com este teu empreguinho, com esse cabelo ruim”, “quem você pensa que é”, “eu conheço gente importante, sabia”, “tu vai se arrepender, posso te fazer perder o emprego”, “teu salário paga a comida do meu cachorro” estão no DNA dessa gente sem modos, sem noção de cidadania.

De regra, são os mesmos que se contorcem em salamaleques aos que julgam estar no andar de cima, ajoelham-se, arrastam-se e cortejam em busca de atenção e reconhecimento.

No fundo, são duas faces de uma mesma moeda: dão o que gostariam de receber. Como não suportam quem não dobra a espinha, não é subserviente, tem estima elevada, é bem resolvido e tem maturidade; perdem a compostura diante da mais singela frustração.

Eles estão por aí: no serviço público e na iniciativa privada, perpassando os mais diferentes cargos e profissões.

São eles, não por coincidência, os críticos do politicamente correto, das ações afirmativas e das políticas públicas de inclusão e de redução das injustiças sociais.

São eles que humilharam os médicos cubanos, que demonstraram desprezo aos pobres, quando os encontraram nos aeroportos (“transformados em rodoviárias!”), shopping centers (“infestados de gente feia, mal encarada!”), restaurantes – sentados ao seu lado como iguais e não como subalternos a servi-los. A universidade passou a ser lugar de comunista, maconheiro, de orgias sexuais, curiosamente no momento que o filho da empregada se perfilou ao lado do filho do patrão – ousando ‘sair do lugar em que deveria estar’.

Eles são indignados com a corrupção e com bolsa-família, mas não coram em se habilitar indevidamente ao auxílio-emergencial, na primeira oportunidade que tiveram.

São os mesmos que para escapar de uma multa, não hesitam em oferecer propina; em fazer valer o peso do vil metal.

Se preciso for, para demonstrar força e superioridade, pisam no pescoço, sufocam, gritam, torturam e matam.

Nestes tempos de pandemia, em que medidas restritivas são necessárias e o interesse coletivo está acima do individual, as máscaras têm caído (no duplo sentido).

Muitos se acham no direito de não se submeter às regras sociais, somente porque não concordam com elas ou porque se acham acima delas ou mesmo porque apenas o outro (o inferior) estaria obrigado a fazê-lo.

Um rápido olhar sobre as postagens e comentários nas redes sociais é revelador do quanto essa cultura está impregnada e do quanto somos iletrados, não solidários, egoístas e autoritários!

Temos um longo caminho a percorrer na direção de um habitat, em que padrinhos, sobrenomes, títulos, profissões, honrarias, medalhas, patrimônio, etc, deixem de ser utilizados como adornos cosméticos, chicotes da opressão, alvarás para o desprezo e a intimidação, alimentando egos, satisfazendo pulsões primitivas, impondo subserviência, buscando favores e privilégios.