Aturdido em procurar elementos que pudessem me inspirar para mais uma croniquinha, olho para todo canto, observo as paredes, minha estante de livros, meus quadros de formatura e, bem ali, li a maior de todas as obras já criadas pelo homem: a janela.
A vida não poderia ser a mesma em um quartinho como o meu, uma parte bem a parte da casa. Recuso-me a cobri-la com cortinas. Suas cores são instáveis, e os cenários “pluribonitos”. Não há vontade maior do que a de uma janela. Desconheço alguma que não tenha anseio de sair de casa, de virar mundo. Os desejos dessas pinturas acabam nos fazendo mudar junto com elas. Pela manhã uma; ao meio dia, outra; à tarde, mais outra; à tardinha, cores novas; e à noite… À noite ela é mágica. Então, indiscreta, ela nos testa com seus sons. Já viram/ouviram o que nos dizem os quadros? Pois ouça sua janela.
Companheira de muitas leituras, escritas, tristezas, alegrias, ponderações, ela aprendeu tudo sobre mim. Não há dia em que não me debruce sobre suas faceirices. Essa amiga me dá de comer, de beber. Existo com ela. Às vezes fico namorando essa bonita de minhas distâncias. Quando leio ao longe de minha poltrona e um assunto me espanta, a primeira que sabe é ela. Encaro-a como se pudesse me revelar àquela nova alquimia de vozes que as palavras me deram. Acho que ela é uma pintura impressionista, tem horas que expressionista. Os nichos artísticos não têm nada a ver com isso. Refiro-me a pureza de suas impressões, expressões sempre diferentes e cheias de luzes. Qual casa sobreviveria sem elas? Que pessoa viveria em um lugar sem iluminação?
Sim, estou fazendo uma apologia. Não me censurem! Vocês não a conhecem como eu conheço. Entendo-a, assim como me compreende. E compreender é mais forte do que entender, porque “co” é junto, ela sente junto comigo. As janelas de meu corpo, os olhos, andam namorando essa pequena. Tanto que não suportam mais viver sem a beldade. Ambos brigam para ver quem ganha mais luz, mas no final das contas concordam que, juntos, podem ter mais dessa ‘namoradeira’.
Tomara que nenhum leitor me queira mal por declarar amor por minha menina. Queria não saber escrever. Neste caso, sei que não saberiam nunca sobre tanta paixão que minha janela espia.
Tolice ou não. Amo profundamente essa pintura! Só ainda não tinha me dado conta disso.