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A força de um discurso delirante

Um livro bastante interessante para refletir sobre as eleições de 2018 é Psicologia das massas e análise do eu, de Sigmund Freud, originalmente publicado em 1921. Nele, o pai da psicanálise descreve “massa” como sendo um grande grupo de pessoas sujeitas ao mesmo efeito psicológico e que, portanto, reagem psicologicamente de maneira coletiva.
Segundo ele, esse grande grupo se reconfigura de tempos em tempos e reforça seus laços coletivos em momentos em que a atmosfera sociopolítica parece ruir. Ou seja, diante de crises, sua estratégia é enaltecer uma correspondência afetiva específica, numa zona com limites bem definidos. Ao mesmo tempo, os componentes desse grande grupo passam a partilhar um inimigo em comum (um homem, uma etnia, uma classe, um partido etc.). Via de regra, sua pauta discursiva consiste em execrar esse “culpado pela crise e decadência moral que atingem a sociedade”.
Concomitante a esse fenômeno, surge outro, destacado pelo filósofo alemão Theodor Adorno, em seu texto A Teoria freudiana e o modelo fascista de propaganda, de 1957: trata-se da exaltação de um “pequeno grande homem”, um sujeito que encarna os anseios libidinais do grupo. De fala bastante simples, esse sujeito vai “direto ao ponto”, “sem dó, sem piedade”, convertendo-se, aos poucos, em uma persona onipotente. Mesmo com uma tática de repetição de um palavreado clichê, consegue fazer do improvável algo crível.
Outra característica do pequeno grande homem é que, diante de uma plateia, ele prefere não responder aos questionamentos e argumentos de seus opositores. Prefere, antes, dar um espetáculo: fugir do assunto por meio de frequentes falatórios ad personam, que consistem em ofender o seu opositor e desestabilizá-lo emocionalmente. Com isso, ele arranca aplausos da massa e estabelece nela um efeito psicológico de “verdade”; sua aura se nutre de um poder misterioso que alimenta um magnetismo sobre os espíritos; sua força torna-se um mecanismo de transmissão de emoções e crenças que contagia, tal como vermes em multidões.
A fixação de um grande grupo por um pequeno grande homem resulta da mistura de medo e esperança, incluindo aquela que sustenta o anseio por um Poder Superior de amparo – uma afecção que não poucas vezes culminou em ilusões políticas. 
Se estamos vivendo um cenário semelhante a este, o que esperar? Creio que dialogar ou debater sobre a força descomunal de personagens políticos, quase que messiânicos, sobre as possíveis consequências de sua ascensão etc., é algo imprescindível. Porém, esse empenho de reflexão por vezes tem se mostrado perigoso, na medida em que encoraja ainda mais os ressentimentos.