A “filosofia não é ciência, porque nunca progride. […] O que é o objetivo da filosofia vai ser resolvido pela ciência, e a filosofia vai passar a história”. Estas palavras foram ditas por Antônio Coutinho, médico imunologista português, em entrevista recente publicada na Folha de São Paulo, no dia 01 do mês corrente, sob o título “Filosofia não é ciência e está fadada a desaparecer”.
Pois bem. Em parte, o senhor Coutinho tem razão. Contudo, como disse o filósofo argelino Jacques Derrida, “a filosofia é inútil, e precisamente por isso que ela é útil!”. Pensemos um pouco sobre isso. Se a filosofia não possui nenhuma utilidade técnica ou social objetiva em si, nenhum valor agregado que a faça ocupar o status de ciência, isso não significa que ela não tenha serventia, ou, como afirma Coutinho, que ela não progrida ou vá desaparecer.
Ora, é possível viver sem a filosofia, mas com ela é possível viver melhor. Seu exercício de reflexão, cujo rigor conceitual é sua principal marca, permite-nos escapar da condição de pensar estreita e distraidamente. Ela nos convida a refletir, por exemplo, sobre os melhores caminhos para a conduta moral. Também a ciência experimental quando o faz, nesta senda, adentra num terreno exclusivamente filosófico. Essa é uma das razões que mostram como a filosofia progride.
De fato, por ser o saber de desdogmatização mais antigo, a filosofia nunca pretendeu se desarticular essencialmente da ciência. Ela considera ser si mesma o tronco de uma árvore e as ciências experimentais a sua copa. Sendo assim, quando com suas investigações teóricas e hipóteses ela consegue fazer avançar o progresso de uma ciência, sente-se também se movendo expansivamente em seus horizontes. E se isso não ocorre, ela se satisfaz em revisitar conceitos, como exercício elementar de pensar.
No futuro, mesmo que grande parte dos problemas morais sejam resolvidos em âmbito exclusivamente científico, ainda assim surgirão sobre eles, através da investigação filosófica, outros questionamentos e/ou hipóteses.
A questão é que sempre haverá filosofia, pois sempre haverá tentativas de analisar questões como a essência e as condições das declarações e pensamentos científicos (como são produzidos, como a ciência os explica, como os prevê); ou como a ciência concebe a natureza humana através da tecnologia (em que sentido ela a reduz; em que sentido a amplia). As próprias formas de pensamento usadas para tirar conclusões acerca do impacto de modelos científicos fazem com que a filosofia nunca cesse de se inscrever.
Portanto, é preciso aceitar que ciência, filosofia, psicanálise, religião, misticismo, entre outros saberes, todos enriquecem o conhecimento, seja na posse de um excelente processo experimental, seja na posse de um processo especulativo, apenas. Não há, pois, razão suficiente para excluir a diversidade de tipos e/ou modos de pensar.