O anúncio da nova etapa do Programa de Investimento em Logística do governo federal levanta novamente a questão da suposta opção privatizante do governante. Como em anos anteriores, há quem diga que a concessão de estradas e aeroportos prova que os governos liderados pelo PT são tão privatizantes quanto aqueles do PSDB.
Trata-se de uma evidente confusão. Concessão não é o mesmo que privatização num aspecto fundamental: a propriedade. A concessão é a transferência da gestão de um serviço pelo poder público a um terceiro (que pode ser uma empresa privada ou uma organização da sociedade civil) por um certo tempo, mediante um contrato; findo o contrato, o serviço volta ao poder público. A privatização, estritamente falando, é a transferência (venda) de um patrimônio público à iniciativa privada, sem retorno.
Cabe lembrar rapidamente que nos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso foram vendidas 110 empresas federais e 28 estaduais, algumas delas entre as mais importantes do país, como a Companhia Vale do Rio Doce, sendo arrecadados cerca de 105 bilhões de dólares aos cofres públicos. Privatização é venda do patrimônio público. Essas privatizações são bem diferentes das concessões de aeroportos, portos, rodovias e ferrovias feitas nos governos Lula e Dilma.
A lógica das concessões é acelerar as obras de infraestrutura de que o país necessita, numa conjuntura em que o dinheiro público não é suficiente para fazê-las com a celeridade desejada. As concessões de aeroportos à iniciativa privada, feitas antes da Copa do Mundo de 2014, são um exemplo de relativo sucesso. Houve ampliação da infraestrutura e melhora dos serviços, sem repercussão nas passagens aéreas. Outras concessões apresentam resultados menos positivos. Isso significa que concessão não é bom ou ruim em si. É preciso acompanhar e avaliar caso a caso.
Mas, de um ponto de vista de esquerda, se o governo tiver recursos para fazer as obras de infraestrutura por conta própria, em prazo aceitável, deve assumi-las diretamente? Não há resposta única para tal pergunta. Na linha do pensamento do Estado de Bem Estar, entendo que o poder público deve cuidar diretamente dos serviços sociais que são essenciais a toda população: saúde, educação básica, seguridade e previdência devem ser públicas, bem como as funções soberanas (defesa do país, segurança interna, justiça, administração). Nos demais casos, o Estado deve avaliar custos e benefícios, repartindo responsabilidades de execução com as comunidades e com a iniciativa privada. No caso das concessões, permanece sempre a responsabilidade estatal pelo acompanhamento e fiscalização da execução.
Ser de esquerda não implica em um compromisso com a estatização. Ser de esquerda implica em um compromisso com a igualdade social, a democracia e a participação. A estatização se justifica quando favorece a igualdade social, quando é um meio para proporcionar serviços de boa qualidade. O Estado que pretende cuidar de tudo, não cuida bem. Repartir as responsabilidades é necessário. É o que prevê nossa Constituição para todas as políticas sociais. Vale o ditado: “quem abraça muito, aperta pouco”.