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A empatia e o legado dos imigrantes

As comemorações do Dia do Colono ensejam renovadas reflexões sobre o legado comunitário dos imigrantes. Como entender o extraordinário senso de comunidade e de cooperação demonstrado pelos imigrantes em contraste com o individualismo e os conflitos comuns nos dias atuais? Afinal, o que é “natural” aos seres humanos: o egoísmo ou a cooperação?
Diversas pesquisas da biologia, da psicologia, da antropologia, da sociologia e da neurociência dos últimos anos comprovam que cooperação, altruísmo e solidariedade são tão naturais em nós como a tendência do “eu primeiro”, ou seja, o egoísmo. 
 “A Era da Empatia” (Companhia das Letras, 2010), do biólogo holandês Frans de Waal, é um livro extraordinário pelas fortes evidências de que a evolução dotou a espécie humana e os mamíferos em geral tanto da capacidade de cooperar como de competir. A empatia é a evidência de que não somos egoístas incorrigíveis; somos seres naturalmente propensos à vida comunitária e à ação cooperativa. O autor apresenta uma interpretação oposta às tradicionais teorias pré-darwinianas, que costumam associar a natureza humana a aspectos negativos da humanidade.
As evidências do livro decorrem de pesquisas de muitos anos com grandes primatas (chimpanzés, bonobos), macacos, elefantes, golfinhos e outros animais. Os estudos mostram inúmeros casos de “empatia” em animais, ou seja, a sensibilidade às emoções, à situação e às necessidades dos outros. Essa capacidade é encontrada em todos os mamíferos. Para o autor, o motivo para a maioria das pessoas ter mamíferos em casa, como gatos e cachorros, é justamente porque gostamos que eles reajam às nossas emoções, enquanto reagimos às deles. 
A empatia nos vincula aos outros, uma conexão instintiva que nos liga permanentemente aos demais. Ela fortaleceu-se no processo de evolução dos mamíferos ao longo de milhões de anos por ter sido essencial à sobrevivência e continuidade das espécies. Não é algo racional, cognitivo. É algo instintivo, que sequer depende da nossa decisão. Os corpos “leem” os outros corpos e entram em conexão com eles. Franzimos o cenho em resposta a expressões faciais zangadas; somos levados a rir pelo riso dos outros, a bocejar quando outros bocejam, a chorar quando percebemos o sofrimento alheio. O primeiro nível da empatia é o “contágio emocional”, um fenômeno anterior à racionalização. 
Nos humanos, a empatia têm características diferentes dos outros animais em função da sua relação com a imaginação e a cognição. Somos capazes até de inibir e conter empatia em certas circunstâncias. Ela é mais comum nas mulheres que nos homens e flui mais naturalmente entre pessoas próximas e com características sociais, culturais semelhantes.
A lição fundamental de estudos científicos como esse é que a natureza nos preparou para cooperar, que só sobrevivemos e avançamos porque o egoísmo foi contido pela solidariedade. A notável saga dos imigrantes e seus descendentes é compreensível à luz dessa força impressionante que é a empatia, o cimento biológico da vida comunitária e da cooperação. Uma lição de alto valor em tempos de forte agressividade e de culto ao individualismo.