O povo não é culpado pela corrupção na política, mas é preciso insistir nas suas raízes sociais e na sua abrangência.
Não é correta a afirmativa simplista de que “todo povo tem o governo que merece”, cuja consequência é que o povo é responsável por má conduta e corrupção no governo. Cabe lembrar que quase nunca conhecemos de perto as pessoas nas quais votamos. Afora as eleições municipais, em que às vezes votamos em pessoas que conhecemos, nos demais pleitos votamos em pessoas que só conhecemos por informações de outros ou pelos meios de comunicação. Em todas as democracias de massa é assim: o eleitor não conhece de perto a maioria das autoridades que ajuda a eleger. Com um bom marketing, candidatos que não conhecemos podem obter o voto falando coisas com as quais concordamos e passando uma imagem que aprovamos, mas como não sabemos de sua vida e de suas alianças, pode ser que votemos em lobos em pele de cordeiro. Além disso, mesmo os candidatos que conhecemos podem trair nossa confiança.Assim, o eleitor não pode ser responsabilizado diretamente pela corrupção praticada pelo governante eleito com seu voto.
Quando se diz que “a corrupção tem raízes sociais” está se dizendo outra coisa. Essa afirmativa apoia-se em amplas pesquisas de cultura política. Políticos e cidadãos estão “imersos” em determinada cultura política, predominante num país ou numa região. Se essa cultura abriga ideias como “em primeiro lugar o meu”, “também vou tirar a minha casquinha” e “político bom é político que resolve o meu problema”, então a questão não pode ser resumida aos políticos. Não é algo individual, sequer algo só dos políticos. É um fenômeno mais geral.
A cultura política afeta a todos, mas isso não significa que todos agem da mesma forma. Há espaço para autonomia e responsabilidade individual. Mas, os traços culturais só aparecem como algo característico de um país por afetar grandes parcelas da população, o que resulta num estilo de comportamento típico. Assim, a corrupção se manifesta de diferentes formas e envolve pessoas com variadas funções.
Os protestos contra o governo e contra a corrupção devem ser entendidos dentro desse contexto. Ao olhar para os políticos pode-se deixar de ver seus liames sociais. Paradoxalmente, os mesmos que criticam a corrupção na política podem ser aqueles que, voluntária ou involuntariamente, fomentam a corrupção. Nos últimos dias teve repercussão nas redes sociais as postagens de um estudante paulista. Na primeira, o estudante aparece na foto de um protesto segurando um cartaz com os dizeres “até quando essa putaria?” e escreve “a sociedade não aguenta mais tanta mentira, tanta corrupção, tanta sacanagem…”. Na segunda postagem, o estudante faz um apelo inesperado: “amigos e amigas, precisando muito da ajuda de vocês… 8 pontos de rodízio, 10 de estacionamento proibido e 7 de excesso de velocidade… Pago bem… Contatos inbox urgente!”.
O exemplo indicaria uma simples contradição pessoal se fosse algo isolado, mas não é. Basta olhar em torno.