Certa vez perguntaram ao artista italiano Michelangelo (1475 – 1564) como ele conseguia transformar uma pedra de mármore em uma obra de arte, uma escultura. Ele respondeu: “- Todas as pedras já são uma obra de arte. O que eu faço é apenas tirar o excesso de mármore”. Tenho comigo a inquieta dúvida de que se este “tirar o excesso” não teve sua origem na sua própria experiência do que já lhe havia sido tirado na vida: o amor da sua mãe. Michelangelo nasceu na região de Florença, na Itália. Na época era comum entregar os bebês a uma ama para ser criado. Então, Michelangelo foi viver com outra família. Aos três anos voltou a morar com os pais, mas sua mãe faleceu quando ele tinha seis anos. Assim ele soube como algo sólido pode virar pó, e pode ter revisitado esta emoção no pó de cada mármore que cortava quando já adulto, ao esculpir uma pedra. Assim, o “excesso” do mármore pode ter sido tirado da obra da mesma forma que já lhe fora tirado o “extremo” do amor. Para algumas obras é importante que se olhe de forma completa, em combinação do sólido com o espaço vazio, que também precisa ser entendido.
Michelangelo não foi o único grande artista privado do amor materno. Leonardo da Vinci (1452 – 1519) era filho de um tabelião e uma camponesa. O casal se separou logo após o nascimento de Leonardo, que foi morar com a mãe. Seu pai casou com outra mulher, bem mais jovem do que ele. Aos cinco anos de idade Leonardo foi retirado da guarda materna e entregue ao pai. Sempre vi discussões sobre o significado do olhar e o sorriso da Mona Lisa, mas nunca vi comentários sobre o motivo de ter sido pintado um campo acidentado na paisagem de fundo daquele quadro pintado por da Vinci, este filho de uma camponesa. A vida lhe fez experimentar acidentes emocionais já aos cinco anos de idade.
Domenico Cimarosa (1749 – 1801) foi um dos maiores compositores da história, especialmente de óperas. Este também italiano era filho de uma família humilde, e ficou órfão aos sete anos de idade. Foi educado em uma escola para pobres mantida por padres franciscanos em Nápoles, onde teve sua iniciação musical. Em sua trajetória superou momentos difíceis. A perda de sua mãe na tenra idade não o fez desistir da vida. Incentivado na escola a inclinar-se para a música, fez disso seu sonho, que buscou com altivez e aparente alegria. Deixou ao mundo o legado eterno das suas composições, entre elas a comédia musical “Il Matrimonio Segreto”, uma ópera cômica. Apesar das adversidades, aprendeu a rir da vida.
Márcia Marostega é uma artista plástica que representa um dos maiores expoentes da arte contemporânea no Brasil. Não sou eu quem diz isso, é a crítica especializada. Conheço Márcia pessoalmente, e por isso sei um pouco da sua história. Márcia teve uma infância feliz e um amor extremo da sua mãe. Este amor se reflete na sua obra. Márcia pinta quadros. Neles meninas tomam forma, cor e vida, coradas na face com o rubor da inocência. Harmonia de cores, composição de elementos, transparências e veladuras, por vezes texturas. Um estilo inconfundível. Seus quadros encontram-se espalhados pelo mundo, no Brasil e no exterior, especialmente Europa e Ásia. Sua mãe, já falecida, pensou que tivesse dado apenas muito amor à sua filha. Ela deu ao mundo a expressão do mais sublime sentimento. Márcia é uma tradução da sensibilidade. Com simplicidade e muita técnica ela cria, mas não se apega aos quadros. Como filhos, quando prontos os entrega ao mundo. Ao fazê-lo entrega mais que um quadro. Tanto amor não cabe numa tela. Então transborda e enche de encantamento o espectador. A expressão do extremo fala por si, dispensa palavras. É alegria, arrepio e sentimento. A arte de Márcia é a expressão extrema do amor.