A arqueologia desempenha um papel importante na preservação e compreensão da história. Ajuda a reconstruir sociedades antigas, entender a evolução da humanidade, e preservar o patrimônio cultural para as gerações futuras. Além disso, contribui para o desenvolvimento de teorias sobre a evolução humana, o surgimento de civilizações e a interação entre diferentes culturas. A Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) tem um espaço em que a comunidade pode vivenciar tudo isso. O Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (Cepa) completa 50 anos neste mês de abril.
Fundado em 1974, foi o primeiro Centro de Pesquisa instituído pela Associação Pró-Ensino em Santa Cruz do Sul (Apesc). Surgiu com o propósito de dar apoio à capacitação docente, ministrar cursos para o aprofundamento dos acadêmicos do curso de Estudos Sociais nas disciplinas de Antropologia Cultural, História e História do Brasil, além de proporcionar curso de Introdução à Arqueologia. O centro também buscava a reconstituição das formas de vida do passado, especialmente da região do Vale do Rio Pardo. Foi gradativamente atingindo todo o Rio Grande do Sul e também já desenvolveu pesquisas em outros Estados.
O primeiro sítio arqueológico registrado no Centro foi o RS-RP:01 – Sítio Amanda Barth, localizado em Rio Pardinho. “A reserva técnica é organizada por número de catálogo, seria o registro, o nascimento, o CPF. Então, o número 1 é um único lugar, ninguém mais vai receber o catálogo número 1 do que esse local”, explica o professor Sérgio Klamt, atual coordenador do espaço.
Este primeiro registro consiste em itens de um sítio de cerca de 6 mil anos, de caçadores/coletores, que não cultivavam, apenas caçavam, pescavam e coletavam. “É o único no Brasil, não tem nenhum sítio que tem mais de mil pontas de flecha que foram coletadas e estão aqui no acervo. Sem falar nas que os colecionadores levaram e foram vendidas. Na época era comum vender peças arqueológicas, hoje é mais controlado”, comenta.
Já o sítio mais antigo vem de Montenegro, de nome Afonso Garivaldino, e tem mais de 9 mil anos. “Foi feita uma datação inicial, deu 9.800. Tem restos de comida, pontas de flecha, cerca de 3 mil peças inteiras. Agora, por exemplo, restos de ossos são mais de 10 mil itens.”
Artefatos para alimentação até tumbas
Passar pelo Cepa também é uma aula de cultura. Com objetos de cerâmica que vão desde artefatos para alimentação até tumbas em que os mortos eram colocados, o professor explica que a cerâmica foi trazida para o Rio Grande do Sul pelos Guaranis, que vieram da Região Amazônica. “Junto com a cerâmica eles trazem o milho, mandioca, abóbora. O guarani chega aqui no Rio Grande do Sul há cerca de mil anos atrás. Não é tão antigo aqui no RS, já na Região Amazônica sim, lá pode chegar a 4 mil anos. No Vale do Rio Pardo, as datas mais antigas que temos são de 600 anos atrás. Temos ainda o antecedente dos atuais Caingangues que no Vale do Rio Pardo aparece em Sobradinho, Passa Sete. Mas aqui na parte baixa do Vale não temos Caingangues, temos o Guarani que é esse caçador/coletor. Ou seja, Candelária é mais ou menos o limite: até Candelária vai o Guarani, mas lá em Passa Sete o Caingangue.”
O processo de um sítio arqueológico
Segundo Klamt, é preciso ter autorização publicada pelo Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para fazer a pesquisa. “Tenho que legalizar a atividade e essa legalização é mediante uma portaria de autorização, que é publicada pelo Iphan. Ali eu vou protocolar um projeto de pesquisa do que será feito e, então, vem a autorização para isso. Então a equipe vai até o local planejar o que vai ser feito. O primeiro passo é ver como está o estado de preservação deste sítio, que pode estar muito bem preservado ou já estar completamente destruído por cultivos ou outras coisas. Depois, se faz o resgate, a escavação, ou seja, tudo que é possível resgatar trazemos para o laboratório e fica aqui na Instituição, a guardiã deste material E aqui é feita uma limpeza, análise e a catalogação.”
Centro com maior acervo no Estado tem pouco apoio da comunidade
Formado em Matemática, Klamt tem mestrado em História, com concentração em Arqueologia, doutorado em Arqueologia e pós-doutorado na mesma área. Ele lembra que assumiu o Cepa, em 1994, na época do reitor Wilson Kniphoff da Cruz. Antigamente, a comunidade ajudava nas pesquisas. “No começo, até 1980, era mais abraçado pela comunidade, os meios de comunicação, era uma outra forma de fazer arqueologia. O pessoal não tinha medo. Não era uma arqueologia eminentemente acadêmica. Como eu disse, sempre tinha voluntário, nunca precisou contratar ninguém. E aí surge a arqueologia acadêmica, que se tornou uma arqueologia difícil, ficou só para quem é entendido no assunto, e a comunidade se afastou. Agora, uns 10 anos pra cá, se deu conta de que, de fato, tem que trazer a comunidade de novo. Aí surge a educação patrimonial, um meio que se tem para aproximar esses conhecimentos e devolver para comunidade. A arqueologia, aquela acadêmica, ela ía na comunidade, fazia pesquisa e sumia. Nunca mais dava notícia. Isso, então, criou um afastamento. Hoje é diferente, faz uma pesquisa, mas tu tem que dar retorno para essa comunidade.”
Atualmente, o espaço é frequentado por professores que vão fazer mestrado ou doutorado de outras instituições como São Paulo e Rio de Janeiro. “O Centro aqui da Unisc é um dos mais antigos do Estado e um dos que tem o maior acervo. Mais de 40% do acervo do Rio Grande do Sul está aqui. O restante dos 60% está diluído entre outras instituições.”
Para incentivar o interesse em preservar o passado e aproximar a comunidade, o Cepa tem espaço para prática simulada de arqueologia no prédio do Memorial. Lá, os estudantes aprendem sobre como é feita uma escavação na prática e ainda podem conhecer o acervo do Cepa. Escolas que querem participar podem ter mais informações pelos telefones (51) 3717-7628 / 3717-7346 ou email [email protected].
História
Inicialmente o Cepa estava ligado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, sob a coordenação do professor Pedro Augusto Mentz Ribeiro, ocupando uma sala no prédio da Apesc na Rua Coronel Oscar Jost, Centro de Santa Cruz do Sul. Foi gradativamente atingindo todo o Rio Grande do Sul e também já desenvolveu pesquisas em outros Estados.
A partir da década de 1980, alguns cursos passaram a ser ministrados no campus-sede da Unisc, para onde foram gradualmente transferidos. Posteriormente, o Cepa recebeu bloco próprio para sua função, construído com recursos repassados pela Prefeitura Municipal de Vera Cruz. Atualmente, ocupa amplo espaço no prédio do Memorial Unisc.
No período inicial, a equipe de pesquisa do Cepa era composta por acadêmicos voluntários dos cursos de Filosofia, Ciências e Letras, além de membros da comunidade que tinham realizado o curso e permaneceram na equipe como voluntários. Os integrantes eram pessoas aptas a trabalhar com o patrimônio arqueológico e haviam sido preparadas para as atividades de campo e laboratório.
Os dados extraídos são convertidos em publicações na Revista do Cepa, revista que também é o primeiro periódico da Instituição e permanece em circulação nesses 50 anos. No princípio, a revista é o meio de divulgação exclusiva de pesquisas do Cepa. A partir do ano de 1995 a revista foi enquadrada nas normas da Capes e passou a ser editada semestralmente, com a contribuição de arqueólogos de diversas instituições de ensino superior de todo país e exterior, tendo como objetivo divulgar os trabalhos desenvolvidos pelos mesmos. Atualmente não é mais editada de forma impressa, mas, sim, em meio digital.
De 1974 a 1994 foram registrados pelo Cepa 663 sítios arqueológicos no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e em Roraima, além de sítios do Uruguai, da Argentina, do México, do Peru e da Bolívia. Os primeiros 20 anos de pesquisas do Cepa sob a coordenação do professor Ribeiro se enquadram num período conhecido como Arqueologia Acadêmica, caracterizado por grandes incentivos e investimentos dos órgãos de fomento, bem como das próprias instituições onde se localizavam os centros de pesquisa arqueológica.
Atualmente, o Cepa possui em sua reserva técnica mais de 1000 sítios arqueológicos registrados, sendo o centro com a maior reserva técnica do Estado, a qual serve de fonte de consulta para acadêmicos de pós-graduação de diversas instituições do país e do exterior.
Em 1994, é vinculado ao Departamento de História e Geografia e passa a ser coordenado pelo arqueólogo Sérgio Klamt. Inicia-se um período conhecido como arqueologia de licenciamento, de contrato, empresarial ou preventiva, a qual é voltada para os licenciamentos ambientais de empreendimentos como usinas hidrelétricas, parques eólicos, rodovias, linhas de transmissão e loteamentos residenciais, entre outros.
Essa nova arqueologia exigiu uma adaptação no método de efetuar as atividades de campo e de laboratório e uma nova forma de apresentar os resultados. O período de vigência dos projetos passou a ser menor, exigindo uma logística apropriada no desenvolvimento dos projetos.
Enquanto que na arqueologia acadêmica o arqueólogo pode até se dedicar uma vida inteira ao mesmo assunto, na arqueologia de licenciamento ambiental, às vezes, em 30 dias os resultados já devem ser apresentados, ou seja, a pesquisa tem que acompanhar o ritmo das obras.
Na Unisc, a arqueologia de licenciamento iniciou com os projetos da Usina Hidrelétrica de Dona Francisca e levantamento e mapeamento de sítios nos municípios de Ibarama e de Venâncio Aires. Também teve significativa participação com pesquisas em vários parques eólicos como por exemplo os de Santana do Livramento, bem como nas usinas do Complexo Energético Rio das Antas. Prestou assessorias em projetos de restauro de prédios históricos, como na Igreja Matriz de Santo Amaro de General Câmara; no Colégio Militar de Rio Pardo; na Casa David Canabarro em Santana do Livramento; na Igreja Matriz de Viamão e no Museu Getúlio Vargas, em São Borja. A partir de 2023, é integrado ao Núcleo de Arte e Cultura.