É com grande alegria que retorno a este espaço do Riovale Jornal, sempre às terças feiras, quinzenalmente, para dar contorno a algumas palavras sobre as nuanças de nossa existência. E o farei pelo viés da filosofia, não só porque sou filósofo de formação, mas porque julgo ser uma área do saber que tem implicações intrigantes sobre os modos como entendemos o mundo e a nós mesmos… Quando perguntaram a Heráclito (séc. VI a. C.) como ele sabia o que sabia, ele respondeu: “Eu me investiguei”.
Nessa perspectiva, da auto investigação, procurarei levantar algumas das questões que nos são mais caras, suscitar perguntas e respostas, sem pretender, evidentemente, esgotar quaisquer temas. Em verdade, ao dar minhas opiniões resumirei, fundamentalmente, muitas de minhas crenças e guardarei o decoro que convém à dignidade daquelas que me são alheias.
Para dar início, vou falar sobre a procura contemporânea de um sentido para a vida. Um sentido no que se refere não apenas ao significado da vida humana em geral, mas também ao que diz respeito a nós, pessoalmente, com a maior gravidade existencial.
Nos meus anos como estudante e como professor de filosofia, tenho visto a procura por um sentido para a vida estampada na face de alunos, pais, colegas, ou então de amigos, familiares e marcadamente na minha. No esforço por encontrar respostas, vi religiões, seitas, grupos de autoajuda, entre outros, propagandearem soluções, ou então algum conforto a corações já cansados nessa senda.
Contudo, minhas vivências, estudos e meu apreço por culturas me levaram a compartilhar hoje do singelo e despretensioso princípio de que a vida é, em si, com todos os seus sabores e dissabores, o sentido propriamente dito. Isso não quer dizer que desconsidero os significados existenciais de outras transcendências. Em minha opinião eles são válidos, na medida em que não engendram o “cegar dos olhos” para o aqui e agora, para a concretude do que nos circunda.
É verdade, todavia, que essa concretude é, não poucas vezes, cheia de incoerências humanas, para as quais não devemos jamais dar as costas. Mas também, repito, acredito que não podemos permitir que tais incoerências bloqueiem o nosso olhar para os nexos e/ou conexões harmônicas que se encontram entremeados, e que desenham um caráter qualitativo para a vida. Falo de coisas simples e indispensáveis, tão óbvias na medida em que as fitamos de maneira natural e sem o peso de ansiosas expectativas.
Epicuro (séc. IV a.C.) disse, certa vez, que uma vida plena tem início na posse de três ingredientes básicos: amigos, liberdade e reflexão. De fato, as amizades nos proporcionam momentos de companheirismo impagáveis. A liberdade – sem generalizá-la ao ser e proceder de qualquer maneira – é imprescindível, na medida em que ela nos permite expressar nossas diferenças, num ambiente enriquecedor e democrático. Quanto à reflexão, ela amplia nossos horizontes de compreensão e permite-nos novos e transformadores projetos de vida.
E somando a isso: um abraço forte; um bom papo; uma boa risada; a realização no trabalho; um filme emocionante; um livro transformador; uma caminhada ou corrida na rua; uma viagem com a família (não precisa ser para longe); um chimarrão com o pai e com a mãe; ou um deliciar-se, num dia ensolarado, a comer bergamotas embaixo de uma árvore… Eis o sentido, em ato, concretizado. Não como necessidade constante de procura, mas como importância imprescindível do vivido.
É isso. O sentido está no flertar com as pequenas-grandiosas coisas que a vida nos dá diariamente.