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Solo, organismo vivo e transformador

Foto: Divulgação/RJ
Nossos vales também são exemplos de práticas que respeitam o solo como organismo vivo

“A terra não é um recurso, mas um organismo vivo que possui necessidades.” Esta afirmação defendida por Ana Maria Primavesi reflete o pensamento sistêmico e sensível da genial engenheira agrônoma e referência na Agroecologia, que percebia a interligação não somente da terra, água, clima, plantas e animais, mas também com a nossa saúde física e mental.


Distraidamente caminhamos por solos mortos ou adoecidos, impermeabilizados, compactados, envenenados, degradados de diferentes formas nas áreas rurais e urbanas. Sem perceber que transformamos o solo ao mesmo tempo que ele nos transforma.


Não podemos mais naturalizar que toneladas de substâncias altamente tóxicas (os agrotóxicos) sejam despejadas sem qualquer tratamento sobre esse solo vivo. Somente no Rio Grande do Sul, no ano de 2017, foram jogados mais de 90 milhões de litros de agrotóxicos no ambiente, segundo dados do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, publicado pela geógrafa e pesquisadora da USP Larissa Bombardi.


Ao mesmo tempo, a supressão da vegetação nativa que cobre e interage com nosso solo anda a passos largos. No bioma Pampa, 125 mil hectares de campos nativos desapareceram ao ano entre 2012 a 2018 (Rede Campos Sulinos 2020), substituídos principalmente pelas monoculturas que adoecem o solo.
Na Mata Atlântica gaúcha, o desmatamento persiste e nisso a região costuma ser destaque nos Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica (colaboração entre a Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais – INPE). Enquanto isso, os municípios da região autorizam supressão da vegetação protetiva do solo sem a elaboração do importante Plano Municipal da Mata Atlântica, previsto na lei federal 11.428/2006 e que seria uma importante ferramenta de gestão ambiental com preservação dos recursos naturais.


De um lado, além das já citadas, temos ações antrópicas que adoecem os solos: excessiva impermeabilização, ocupação e expansão urbana sem planejamento, tubulação e canalização de cursos d’água, drenagem de banhados, uso indiscriminado de fertilizantes químicos e práticas que favorecem erosão e perda do inestimável solo fértil. De outro lado, nossos vales também são exemplos de práticas que respeitam o solo como organismo vivo e como um gigantesco ecossistema, onde reside uma rica biodiversidade.


A Agroecologia é praticada nos Vales do Rio Pardo e do Taquari por diversos grupos de produtores e consumidores orgânicos, apoiados em uma rede de pessoas e instituições que formam as Articulações em Agroecologia do Vale do Rio Pardo (AAVRP) e do Taquari (AAVT). Também é ensinada e trabalhada pelas Escolas Família Agrícola como a Efasc e a Efasol, assim como pela Uergs, nossa universidade pública estadual, em seus cursos de graduação e especialização em Agroecologia e Produção Orgânica.


Destacamos também os diversos hectares de produção em sistema agroflorestal, uma das principais áreas de trabalho da Regional da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) vinculado ao Balcão de Licenciamento Ambiental Unificado (Blau) de Santa Cruz do Sul, que atende toda uma região que contempla nossos vales. Nesses sistemas, a agrobiodiversidade é valorizada, principalmente nossa riqueza de árvores nativas, onde por consequência o solo permanece saudável.


Para ampliarmos essas ações que conservam a verdadeira riqueza de nossos solos é necessário tanto políticas públicas quanto participação social. Enquanto cidadãos podemos já buscar as feiras orgânicas municipais e participar de ações populares como a Caminhada pela Alimentação Orgânica, que acontecerá em Lajeado dia 16 de maio, e os eventos da Semana da Alimentação Orgânica do Vale do Rio Pardo, que ocorrerão no final de maio.


Nesse 15 de abril, Dia Nacional da Conservação dos Solos, em contraponto aos retrocessos ambientais em curso, saudemos a Agroecologia e todas as iniciativas que tratam o solo como Ana Primavesi o via, como um organismo vivo e que nos transforma.


Para encerrar, segue um trecho da música “Caminhos alternativos”, do cantor e compositor Zé Pinto, que expressa a síntese desse pensamento de Ana Primavesi: “Amar a terra e nela plantar semente. A gente cultiva ela e ela cultiva a gente”.

Pablo Tadeu Pereira da Silva é analista ambiental da Sema-Blau Santa Cruz do Sul, presidente da Associação dos Servidores da Sema e membro das Articulações em Agroecologia do Vale do Rio Pardo (AAVRP) e do Vale do Taquari (AAVT)