Em um pequeno intervalo de tempo fomos surpreendidos por dois crimes bárbaros. Um homem é linchado por cobrar dívida trabalhista em um espaço público e outro é assassinado por seu vizinho “ao ser confundido com um bandido”. O que os une é a cor da pele. É difícil acreditar que existirá justiça nesses dois casos, se é que isso já se fez presente na história do Brasil e do povo negro.
No último dia 24, no Tropicália, na Barra da Tijuca, zona oeste da capital fluminense. Moïse Kabagambe foi espancado por três homens ao cobrar uma dívida de trabalho. Moïse, de 24 anos, veio para o Brasil fugindo com a família da violência étnica na República Democrática do Congo. Sem chance de defesa, foi amarrado, recebeu socos, pontapés, golpes com um pedaço de pau e um taco de beisebol por três homens. Foram mais de 30 golpes desferidos em um período de 15 minutos. Em um lugar público, três pessoas se sentiram confortáveis em matar outro ser humano de forma hedionda.
Já Durval Teófilo Filho tinha 38 anos e estava na porta de casa em São Gonçalo, também no Rio de Janeiro, quando seu vizinho, um sargento da Marinha, o considerou suspeito e lhe deu três tiros. A vítima, um homem negro, morreu no hospital. A filha de Durval, de 6 anos, correu pra ver a rua após os tiros e reconheceu o pai caído. Sargento da Marinha, o vizinho Aurélio Alves Bezerra, disse que o confundiu com um ladrão. Durval era um trabalhador que voltava para a sua casa após o expediente.
A pergunta que fica ao ler esses relatos chocantes é: se esses homens fossem brancos, estariam mortos? Se a cor de sua pele não fosse preta, eles teriam recebido esse tratamento violento? O Brasil que um dia já foi visto como o País do futuro e uma nação acolhedora mostra a cruel faceta da indiferença, da xenofobia e do racismo. Não é possível que isso não traga indignação, sofrimento e tristeza para quem ainda tem empatia e se solidariza com as tragédias cotidianas.
Os protestos do Black Lives Matter nos Estados Unidos ocuparam ruas e incendiaram lugares públicos após a crueldade policial que vitimou George Floyd. Não somente nos Estados Unidos como também no Brasil, estamos vivendo a barbárie sendo acometida contra corpos negros, que são marginalizados e violentados, seja pelas forças de repressão ou pelo imaginário popular que enxerga o negro como um inimigo. Por isso é tão importante dizer em bom e alto som que Vidas Negras Importam. Vidas negras merecem ser respeitadas. Não podemos admitir que vidas negras possam ser ceifadas de forma tão brutal e violenta como vimos nesses dois casos.
Para evitar que novos casos de justiçamento aconteçam, é preciso fazer valer a justiça. Não a justiça das leis, mas, sim, a justiça do tratamento igualitário, de respeito e harmonia. Para isso, é preciso que se fale, debata, discuta sobre o racismo e como ele impacta a sociedade brasileira. Um primeiro passo é admitir que ainda hoje o racismo prevalece nas relações econômicas, sociais e políticas. É preciso admitir que em pleno 2022 o racismo continua existindo e que é dever de todos trabalhar para que ele não seja reproduzido. Não podemos continuar admitindo justiçamentos em plena luz do dia como em ambos os casos. Por isso, encerro esta coluna dizendo que Vidas Negras Importam.