A par da legislação penal e processual penal, também a eleitoral vem sendo servida ao gosto do cliente, em oportunidades especiais, disposta em cardápio renovado a cada temporada.
Foi recentemente pinçada nos escaninhos da Câmara Federal uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 125) que jazia desde 2011 e votada a toque de caixa na Comissão Especial da Reforma Eleitoral e Política e em plenário. Neste momento, aguarda tramitação e aprovação no Senado, sem alterações, até o dia 1º de outubro, sob pena de não valer nas eleições de 2022.
Provavelmente, o ponto que maior impactou causará é a volta das coligações entre partidos políticos nas disputas proporcionais para deputado federal, deputado estadual e vereador. Somente nas eleições municipais de 2020 não puderam ser formalizadas. Mesmo assim, não é dado desconsiderar as resistências existentes no Senado e o risco de serem rejeitadas. Assim ocorrendo, dificilmente haveria tempo para a Câmara reapreciar a matéria.
É questão controversa e sensível. De um lado, a coligação ampla favorece a proliferação dos chamados partidos “nanicos”, das legendas “de aluguel”, por vezes usadas como moeda de troca de cargos e financiamento de campanha, pelo tempo de rádio e TV que podem agregar. Isto sem falar das “sopas de letrinhas”, unindo greis sem nenhuma afinidade programática. De outro, protege do risco de extinção partidos “menores”, com história e ideologia, indispensáveis em uma democracia que se quer plural e representativa.
Subsiste enquanto válvula para conter a dispersão de legendas partidárias a cláusula de desempenho/barreira, impondo a elas a obtenção de determinada porcentagem de votos para que tenham direito acesso a recursos do Fundo Partidário, do Fundo de Financiamento de Campanha e do tempo de rádio e TV de propaganda eleitoral. Neste tema, havia uma proposta de somar um número mínimo de senadores aos demais critérios vigentes, tendo sido rejeitada. Permanece assim, o mínimo de 1,5% do total de votos válidos em pelo menos 1/3 dos estados, na disputa por vagas para a Câmara dos Deputados, e em cada um deles a legenda precisa conquistar pelo menos 1% dos votos válidos ou eleger no mínimo nove deputados federais.
Importante avanço diz respeito à “cota dobrada”, estabelecendo que votos possam ser contados em dobro, a depender do gênero e da raça do candidato, para a distribuição dos fundos partidário e eleitoral. Enquanto política afirmativa estimulará investimento em candidaturas de mulheres e negros, grupos absurdamente sub-representados nos parlamentos.
No espectro da fidelidade partidária, o texto aprovado prevê a perda do mandato de deputados e vereadores que se desfiliarem da legenda, exceto quando o partido concordar ou em hipóteses de justa causa estipuladas em lei. Atualmente, são considerados causa o desligamento feito por mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; e durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição (seis meses antes do pleito).
Ainda, de pontuar que a PEC muda a regra da anterioridade, definindo que a nova lei eleitoral entrará em vigor já na data da sua publicação, porém somente valerá na eleição seguinte se observar o princípio da anualidade – ao menos um ano antes do pleito. A par disso, estendeu a norma para as decisões interpretativas ou administrativas do STF ou do TSE, engessando o poder de regulação do processo eleitoral.
Outra alteração foi na data da posse do presidente da República e governadores, de 1º de janeiro para os dias 5 e 6, com o objetivo de viabilizar maior presença de chefes de Estado e lideranças estaduais.
Paralelamente, outro projeto já aprovado nas duas casas legislativas cria federações partidárias, favorecendo legendas de menor expressão eleitoral, permitindo que dois ou mais greis se reúnam, devendo manter a coligação por ao menos quatro anos, atuando como bancada uma no parlamento.
De tudo, o mais positivo foi a retirada do “distritão”, sistema que dificulta a participação de mulheres, negros e indígenas nos legislativos, cerceia a renovação na política e fortalece candidaturas de celebridades e o mandonismo dos caciques partidários. A melhor definição foi dada por Fernando Neisser; “O distritão é o Paris 6 dos sistemas eleitorais. Caro, ruim e você não entende porque tem gente que gosta”.