Jamais achei que iria me acostumar a tomar café sem açúcar. Não via isso como um traço da minha identidade. Hoje, já dou isso como um processo irreversível. Não há mais como colocar uma gota de adoçante ou meia colher de açúcar no café. Também aprendi a gostar de tomar chá e chimarrão, tendo crescido em um lar onde não havia esse costume. Sim, estranho ouvir isso de alguém que nasceu e viveu toda a sua vida no Rio Grande do Sul, mas são peculiaridades deste vivente que aqui vos fala nesta coluna. Não que eu não gostasse, mas meus pais nunca tiveram esse hábito.
Mas enfim, digo tudo isso para falar que sinto que a fase adulta da minha vida começou a chegar e, nestes hábitos simples, fica claro como ela mexe com nossos costumes e crenças. É claro que continuo acreditando que o mundo é redondo, algumas crenças eu não abandono. Entretanto, alguns costumes se modificam com o tempo e se tornam parte da gente, como pequenos traços de nossa personalidade.
No entanto, não digo só isso para anunciar essa nova fase, como também para responder ao principal dilema que temos hoje. Bebidas quentes nos fazem relaxar, refletir e questionar. Às vezes ao tomar o meu café eu me pergunto, “tá tudo bem mesmo?”. Outras vezes, ao encontrar com outras pessoas iniciamos um diálogo, com o despretensioso “tudo bem?”, que parece mais como um mero gesto solidário, quando sabemos que não há nada bem. Não há como estar bem sendo brasileiro, vivendo uma pandemia e o governo Bolsonaro. Na verdade, o mundo não parece estar indo nada bem. De um lado, desastres naturais acontecem fruto do aquecimento global. Do outro, desastres de cunho humanitário, como o retorno do Taleban, uma milícia fundamentalista que não respeita os direitos das minorias, especialmente, das mulheres. São grupos armados que louvam a Deus e a família, renegam a política e buscam a dominação e a imposição de determinados costumes, baseados em um achismo retrógrado (qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência).
A verdade é que não há ninguém bem. Não há como estar com a gasolina tão alta, com o custo de vida elevado graças aos aumentos consecutivos da carne, arroz e feijão. Não há como estar. Mas no meio de tudo isso, a gente busca ficar e criar um lar para si mesmo. Os últimos anos foram extremamente desafiadores para qualquer pessoa. Falando de mim, entrar na sua vida adulta vendo que as promessas de um futuro melhor foram aos poucos se mostrando incapazes de se concretizar foi, no mínimo, decepcionante. É a mesma sensação de ver um fósforo pegar fogo e esvaecer rapidamente antes de chegar ao seu destino para queimar. Cresci vendo jovens de todas as classes sociais ingressarem na universidade, estudantes indo para outros países com bolsa e acordei num País sem emprego, universidade ou perspectiva para os que estão começando a sua vida. Às vezes a gente se pergunta o que aconteceu ou onde foi que erramos. Pior do que isso, acreditamos que será necessário um grande esforço para tentar reerguer um País que devastou tudo aquilo que foi construído antes da Constituição Brasileira. Será preciso coragem para superar o desafio de voltarmos a ser uma nação, um País com projeto para a maioria do povo.
Ainda que tenha passado ileso por isso na graduação, o mercado de trabalho mostra que o “novo normal” promete um choque de capitalismo para todas as gerações, mas, principalmente, aos que estão começando a sua vida. Espero que a vida seja generosa com estes jovens, pois o sistema, com certeza, não será. Inevitavelmente são estes detalhes que chamam minha atenção no meio da noite. Quando a cidade dorme e a inquietude sussurra, nos impedindo de conseguir dormir. Nessas horas, a esperança não se faz presente para acompanhar esses pensamentos. Portanto, nada melhor do que estar acompanhado por um café ou chá, sem açúcar, é claro.