Nas últimas semanas, diversas notícias trataram sobre as viagens espaciais planejadas por bilionários. Jeff Bezos, dono da Amazon, Elon Musk, CEO da Tesla, entre outros. O que por si só já poderia ser visto como uma extravagância, ganha contornos ainda mais interessantes quando os fatos são analisados com mais proximidade.
Em vez de buscar soluções para os problemas da Terra, bilionários decidem desbravar o espaço como um plano B. Após contribuir ativamente com a deterioração do planeta ao perpetuar a desigualdade social, querem ser os novos colonizadores de outros lugares. Chegar aos céus e alcançar aquilo que o ser humano ainda não conseguiu conquistar: o espaço. Provavelmente é o mais próximo do céu que os ricos chegarão.
Vejamos o exemplo do dono da Amazon e a sua viagem espacial. Em 10 minutos, Bezos e seus três clientes emitiram cada um 75 toneladas de CO2. Na Terra, há um bilhão de pessoas que não atingem esses níveis de emissões em uma vida inteira. A Amazon destrói 130 mil produtos ainda na embalagem por semana em um único depósito pelo simples fato de não ter espaço o suficiente para estoque. Também é acusada de impedir a sindicalização dos trabalhadores, além de outras práticas nocivas ao ambiente de trabalho. Antes de pensar em habitar novos planetas, bilionários poderiam tentar transformar o mundo em um lugar melhor para se viver.
Há quem vá defender: “Mas o dinheiro é dele, ele faz o que quer!”, ou ainda: “São apenas viagens, não há nenhum objetivo além disso”. Pois bem, é preciso deixar claro: bilionários estão sempre pensando no futuro e nem sempre no bem de todos. Há quem acredite que estão fazendo caridade ao desbravar os céus. Na verdade, é difícil acreditar em atos de benfeitoria por parte da burguesia. Eu até acreditaria se estivessem dispostos a reverter o quadro da enorme desigualdade social que cresce todos os anos. Na pandemia, por exemplo, os ricos ficaram mais ricos e os pobres… mais pobres, é claro. E quando falamos em desigualdade, não estamos citando somente a desigualdade no acúmulo de bens e de dinheiro, é o fato de que a grande maioria da população não tem acesso aos direitos básicos elementares que cada um deveria ter.
A concentração de renda vai muito além da questão financeira. É também a concentração fundiária, concentração de equipamentos e técnicas de produção, concentração do conhecimento, do lazer, do descanso e, por que não, da própria felicidade. Vivemos uma era de desigualdades múltiplas que geram vulnerabilidades coletivas. Trabalhamos cada vez mais e estamos cada vez mais cansados e infelizes. Não há algo de errado nisso? No alto das suas camadas de privilégios, ricos enxergam a desigualdade como uma mera escada que os permite chegar a lugares mais altos, enquanto os pobres seguem na base da pirâmide. No entanto, a desigualdade dos dias atuais é ainda maior e mais complexa, pois todos os dias vemos pessoas tendo seus direitos básicos e elementares negados. Seja pela cor da pele, pela crença, raça, gênero, nacionalidade, etc. A única classe social que nunca é impedida de ter seus direitos básicos e elementares garantidos é a burguesia. E para manter seus privilégios, ela é capaz de matar, difamar, ofender e diminuir qualquer um ou qualquer grupo que ameace tocar naquilo que entende como seu.
Nosso planeta avança rapidamente para um grande colapso. As mudanças climáticas que provocaram tragédias na China e na Alemanha são uma prova disso. Enquanto choveu muito nesses dois países, as florestas do Canadá e dos Estados Unidos foram tomadas pelo fogo. Produzimos mais lixo do que conseguimos reciclar, nunca se produziu tanto plástico e todos os dias seguimos em frente, em meio a uma pandemia que já vitimou milhões de pessoas em nome do dito “progresso”. O mundo não parou, mas deveria parar. Nós, que somos pobres e trabalhamos, não podemos parar. Mas há quem possa fugir de tudo isso. Eles têm uma escolha, nós não. É por isso que bilionários não deveriam existir, mas já que existem, não deveriam reivindicar mais um lugar como seu. Esse não pode ser mais um espaço vip, restrito aos que mais podem. Por isso, bilionários até podem tentar, mas jamais irão aos céus.