Durante esta semana, diversas reportagens foram publicadas com informações sobre o pagamento das famosas pensões militares. Segundo dados dos veículos de comunicação, o Governo Federal paga R$ 1,2 milhão por mês a herdeiras de militares acusados de crimes na ditadura. São ao todo 73 viúvas e filhas de militares com atuação conhecida na ditadura militar que jogou o Brasil em 21 anos de torturas, assassinatos e repressão. Ao todo, a Defesa gasta mais de meio bilhão por ano com pensões acumuladas pagas a parentes de militares. São dados inéditos referentes ao ano de 2020. Familiares de militares mortos receberam R$ 19,3 bilhões líquidos, com muitos acumulando mais de um benefício.
Não só assustam as cifras que hoje chegam ao nosso conhecimento, como deixam claro que é preciso construir justiça social no Brasil de forma urgente. Saímos de uma ditadura militar de forma gradual, em um pacto por cima, que impediu o povo de eleger diretamente um representante. Foi a dita abertura gradual e segura, que não estaria completa sem a imunidade garantida aos que cometeram crimes durante as duas décadas de regime militar.
Ao longo de 21 anos, a população brasileira foi privada de participar da política, de se organizar e de se expressar. A censura, a repressão, as torturas e assassinatos pavimentaram um caminho de tranquilidade institucional aos militares das Forças Armadas. Mais do que isso, tornaram métodos e ideias abjetas algo comum e normal dentro da sociedade. Alguns dos exemplos disso estão na letalidade das Polícias Militares, no racismo estrutural e na política de combate às drogas e, ainda, na tortura. Sim, ela continua existindo e presente no tratamento com a população de rua, mulheres, negros e periféricos. A repressão hoje faz parte da institucionalidade e do modus operandi das forças de segurança do Estado.
Passados 57 anos desde o golpe militar, temos uma sociedade moldada pelos valores dos anos de chumbo. A defesa intransigente da propriedade privada, a ameaça do comunismo contra a família tradicional e Deus. Uma sociedade que se acostumou com chacinas, com a violência cotidiana e o medo. Herdamos da ditadura a ideia da morte como justiça. É daí que vem o sucesso estrondoso de programas policiais e a sensação de impunidade.
Para construir uma nova sociedade, é fundamental quebrar esse pacto de silêncio que não só segue perpetuando tais valores como corretos, como também os privilegia com cifras que oneram o Poder Público. Dá a sensação de que tais militares que orquestraram e se envolveram diretamente no regime militar estão recebendo bonificações pela sua atuação. Dessa forma, as suas filhas e famílias garantem a manutenção de privilégios em um País onde 14 milhões estão desempregados e 30 milhões em estado de subocupação. Fica ainda mais clara a contradição de impedir a continuidade do Auxílio Emergencial de R$ 600, quando há familiares que acumulam benefícios.
Não há como construir um futuro para nosso Brasil se repetimos a lógica perversa do passado. Para isso, é necessário coragem para um acerto de contas com um nefasto passado. É preciso quebrar esse pacto de silêncio para dizer que a ditadura ainda vive em nosso País. Ao erguer vozes contra essas injustiças, damos um passo para evitar que ela continue prosperando e moldando as ideias do povo brasileiro.