Início Geral “Sou uma mulher trans e sinto muito orgulho do que sou”

“Sou uma mulher trans e sinto muito orgulho do que sou”

Trans Sabrina Oliveira da Silva fala sobre os desafios após oito anos de cirurgia

“Eu não vou deixar de existir. O fato de eu ser trans não fere ninguém, mas o seu preconceito fere a minha vida, fere a minha existência”. Quantas já não ouviram essas frases que fazem um apelo pela aceitação. Pessoas trans são mortas diariamente, fruto de um preconceito sem qualquer fundamento ou com base em que ser diferente é errado.

Para mostrar os desafios enfrentados em busca da aceitação e o amor que sente pelo fato de ser trans, o Riovale Jornal entrevistou a santa-cruzense Sabrina Oliveira da Silva. Nasceu Augusto Oliveira da Silva e hoje ostenta com orgulho o fato de ser uma mulher trans e que enfrenta de peito aberto e, muita coragem, as adversidades da vida.

Riovale Jornal – Sua cirurgia foi feita através do SUS, pode nos contar como foi o processo?
Sabrina Oliveira da Silva: Em 8 de agosto deste ano faz oito anos que fui operada, mas existe um processo muito antes de tudo isso. Eu moro no Bairro Avenida e fui encaminhada pela Unidade Básica de Saúde (UBS) Avenida, através do Sistema Único de Saúde (SUS). Tenho 29 anos e quando fiquei sabendo que existia a possibilidade desta cirurgia eu tinha 15 anos, na época tudo era muito surreal para mim, era um sonho bem distante. Uma amiga da minha mãe veio até nossa casa, trabalhadora da área da Saúde falou que existia a cirurgia. Foi então que consultei no posto com um clínico e esse me encaminhou para o Hospital de Clínicas, em Porto Alegre, sob orientação da Central de Agendamento e Regulação, a Casa, de Santa Cruz do Sul.

Riovale Jornal – Após o encaminhamento, você logo foi chamada?
Sabrina:
Sim, logo fui chamada. Mas, nesse momento enfrentei algo que me deixou frustrada, eu era menor de idade e me colocaram no chamado “arquivo morto”. Tive que esperar até os 18 anos e novamente passei por todo o processo inicial que levou cerca de seis meses para se concretizar. Fiz todos as consultas em Porto Alegre e lá no Hospital de Clínicas passei por uma avaliação psicológica e respondi um questionário que era uma dinâmica para entender se realmente eu era uma mulher trans. Quem dá o aval final é uma psiquiatra. Eu já sabia que era trans, mas precisava do documento que atestava e assim fui aprovada para a cirurgia.

Riovale Jornal – Você fala do questionário que atesta mulheres trans e após, como é o aporte do Hospital de Clínicas?
Sabrina:
Após ser aprovada para a cirurgia, fui inserida em um grupo com a participação de várias trans de todo o Estado do Rio Grande do Sul e no qual de 15 em 15 dias nos reuníamos. Tudo era de forma gratuita, inclusive com passagens pagas pela Prefeitura Municipal. Sempre fomos muito bem recebidas com todo o suporte necessário. Todo esse processo acontece dois anos antes da cirurgia, temos que ter dois anos de grupo. Isso tudo me gerou uma grande expectativa.

Riovale Jornal – Após a vivência de dois anos em grupo, como foi o dia para a cirurgia?
Sabrina:
Estava muito ansiosa, havia passado mais seis meses e chegou o dia que tanto esperava. Internei um dia antes para fazer os exames e no outro dia fiz a cirurgia. Entrei no bloco cirúrgico bem cedo e ocorreu tudo bem, quase sem dor. A equipe médica acompanhou o tempo inteiro e eu me senti segura. Tudo foi muito natural, tirei o dreno no terceiro dia e a cicatrização foi boa. Em um mês e 20 dias estava completamente recuperada. Esse processo varia de pessoa para pessoa, existem complicações sim, mas comigo ocorreu tudo bem. Após a cirurgia fui acompanhada por mais quatro meses, pois o médico queria ver se ficou 100% o procedimento, só após é dada a alta.

Riovale Jornal – Sua vida seguiu adiante, como foi o pós-cirurgia?
Sabrina:
A minha vida melhorou 100%, em todos os sentidos. Minha questão psicológica mudou, a minha vida pessoal, meu humor, enfim, tudo, inclusive minha pele. Realizei meu grande sonho como ser humano. Minha família é meu porto seguro e sempre me apoiou, minha mãe Rosemari Alves de Oliveira; meu pai José Benjamin Pizzolato da Silva; irmãos Caroline, Cristiano, Roger Eduardo e Silvia Letícia.

Riovale Jornal – Existiu uma mudança de comportamento das pessoas após verem sua transição?
Sabrina:
Após não, mas antes de tudo, sim. Eu transicionei quando tinha 12 anos, ali muitas pessoas ficaram chocadas. Foi quando comecei a deixar o cabelo crescer, pintar unha, usar maquiagem, um verdadeiro passo a passo. Gradativamente me transformei nesta mulher que já tinha interiormente. Na escola é que foi a maior barreira, tinha poucas amigas, mas essas eram sinceras. Em uma escola que frequentei sofri preconceitos até dos professores, mas antes da transição. Foi nesse momento que, ao perceber a mudança, a minha família me trocou de escola, nessa fui mais aceita. Comecei a ir vestida de menina, só que me chamavam pelo masculino. Uma mulher trans quer de fato viver como uma mulher.

Riovale Jornal – Depois do sonho realizado, como está sendo sua vida agora e como vê o papel da trans na sociedade?
Sabrina:
Me vejo como uma trans que conquistou muito respeito, pois muitos vêm uma trans como sendo uma pessoa espalhafatosa e que chama a atenção. Mas até que ponto vai isso? Devemos pensar nisso. O respeito que tenho é de muitos anos, de um trabalho de inclusão na sociedade. A sociedade em si não está preparada para enfrentar esta nova realidade. Meu sonho é uma trans ou um gay se colocar no meio político e este também é um sonho particular meu, me engajar e militar por mulheres trans e toda a diversidade. Inclusive fizemos a 1ª Parada Gay de Santa Cruz do Sul em 2019, antes da pandemia. Em 2014 fui eleita Vice-Miss Trans dos Vales do Rio Pardo e Taquari. Sou ambiciosa e persistente!

Riovale Jornal – Você, hoje, é uma mulher que tem um relacionamento. Pode falar sobre?
Sabrina:
Atualmente estou muito bem com meu amor e apoiador em tudo, Ludiero Carvalho. Tive outros relacionamentos, mas posso dizer que foram fracassados. Namorei com um menino dos 15 aos 18 anos, bem na época que iria fazer a cirurgia. Deixei claro que era trans e ele mostrava aceitar, mas, intuitivamente, sabia que não. Não me viam como uma mulher, mas como um homem que se vestia de mulher. Um dia minha mãe leu as cartas de baralho e disse que eu conheceria o amor da minha vida após a cirurgia, foi o que aconteceu. Dois meses depois conheci o Ludiero. Na quinta-feira, 13, completamos seis anos juntos e assim que passar toda esta pandemia vamos casar!


Riovale Jornal – E a inserção no mercado de trabalho impôs barreiras?
Sabrina:
Tive que me encaixar em algo que eu pudesse trabalhar por mim mesma, pois tive as portas fechadas. Passei semanas largando currículos na cidade e nada de retorno, mesmo tendo todos os documentos já atualizados com meu nome. Existe o preconceito que chamamos de velado por pessoas que praticam, mas não demonstram diretamente.

Riovale Jornal – Hoje você se dedica ao lado espiritual, como foi este despertar?
Sabrina:
Desde criança já vivia neste meio, através de minha mãe e minha avó, Maria Alves Oliveira da Silva (IM). A vó Maria foi uma grande incentivadora em tudo. A religião foi passando de geração para geração desde a bisavó, até chegar em mim. Foi a religião que me fez ter mais aceitação. Com 15 anos passei a trabalhar com a espiritualidade – Umbanda e Espiritismo – e cada vez melhorando mais, sob proteção de uma pombo gira Maria Padilha das Almas. Após perder minha avó, no ano passado, tive um sonho com ela no qual disse que as coisas iriam melhorar financeiramente para mim. Antes de ela morrer, sempre manifestou o desejo de me ajudar e deixar algo, pela dificuldade que eu encontrava para trabalhar. Sinto a presença dela em cada passo que dou! Minha sintonia com ela é de outras vidas, sempre digo que a Sabrina foi criada por uma mulher forte, assim como meus pais. Minha avó já sabia desde os meus sete anos que eu seria esta mulher que sou. Usava as roupas dela, sapatos e batom vermelho. Ela que me levou no meu primeiro baile!

Projeto de lei representa um retrocesso nas conquistas

Os direitos já adquiridos por pessoas LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer – transitam entre as noções de gêneros -, intersexo, assexual e (+) outros grupos) seriam perdidos se o Projeto de Lei 504 fosse sancionado. Este buscava proibir propagandas relacionadas a crianças e com alusão à diversidade sexual, mas foi derrubado por emenda. “Este seria um retrocesso. Não aceito e fiquei triste porque passa um filme na cabeça da gente. O Brasil é o País que mais mata trans e se não temos apoio na inclusão e, esta visibilidade, fica difícil. Este projeto, se aprovado, seria mais uma carta na manga para fazerem maldades contra. Muitos não têm sensibilidade, somos seres humanos e temos coração e, acima de tudo, família. Perdi muitas amigas trans assassinadas e nossa expectativa de vida é de 30 anos”.

No dia 28 de abril, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) colocou em pauta novamente a votação. Criado pela deputada estadual Marta Costa (PSD), pretendia proibir propagandas, em qualquer veículo de mídia ou comunicação, que “contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionado a crianças”.


Seria proibido, por exemplo, a campanha de Dia dos Pais protagonizada pela Thammy Miranda, explica Luanda Pires, advogada especialista em Direito LGBTQIA+ e de Gênero, e secretária Geral da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/SP. O PL foi apresentado em agosto de 2020, mas a votação foi adiada para o dia 28. A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL), no entanto, apresentou uma emenda ao PL para alterar o objetivo do projeto, ressaltando que é indiscutível a necessidade de proteção das infâncias e das adolescências. Com 19 votos favoráveis e assinaturas suficientes, o PL volta para discussão e nova análise na Casa.

Ana Souza