Todos os dias, quando minha família sai para trabalhar, fico aqui mantendo viva a estatística de desemprego e da epidemia de professores deprimidos. Em suas casas, católicos, meus pais rezam por nós. Na cama, os gatos me rodeiam a procurar um lugarzinho quente para seus invernos. A cachorra late no pátio, sabe da hora de receber carinho. E a terra plana gira, o Brasil retrocede, o anti-freirianismo ganha força e a desumanização veste-se com as roupas amarrotadas da moda.
Resolvi outro dia, para evitar os pensamentos que me sugam para o pânico, reorganizar meus livros, pus todos os de poesia em minha frente para melhor vê-los. Todos os dias tento ler um poema na sequência de cada obra (o que é impossível, sempre me alastro). Fora o de contos da Clarice Lispector e o romance de Chimamanda, que ando economizando pelo medo de que acabem. Os galos da manhã, de João Cabral de Mello Neto, não tecem mais as minhas. Nunca abro a janela, salvo os dias de chuva.
Meus bichos sentem a minha dor e, junto aos livros, me cercam de olhares, balanço de rabos e ronronados. Minha mãe me liga dizendo que na quarta-feira irão para a Aparecida pagar promessa para melhorar o cadáver deste ateu. O dia corre, os versos vibram e os olhos precisam continuar abertos. Abertos sob pena de os rostos das diretoras e professoras autoritárias voltarem a minha cabeça e refazerem toda a trama e as armadilhas que me levaram à demissão. Ah, que tempos…
Às vezes me pergunto se os gatos e os cachorros sentem o cheiro de nossos espíritos, se percebem as suas mudanças de cores e tal. Com sentidos muito mais apurados do que os humanos, penso que devam sentir os temperos de nossos suores e os suspiros desafinados no ar. Juro, todas as vezes que o pânico me açoita, olho para o chão e lá estão eles, o gato Filoctetes, a gata Maria de Lurdes e a cachorra Julieta Capuleto. Será que somos só gente e são os animais os responsáveis por nos humanizar, nos tornar humanos? Não sei. O que aprendi nestes últimos tempos na Educação é que o poder deseduca para a humanidade, processo inverso ao que os bichos causam em nós.
Ah! e pensar que Manuel Bandeira tinha razão:
“O bicho não era um cão
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.”