Ricardo Gais
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Um gesto nobre e humano é a doação de órgãos. Apesar do assunto ainda ser um tabu para a maioria das pessoas, o ato de poder doar uma parte de seu corpo para salvar outra vida é fantástico. No Brasil, para ser um doador não precisa deixar nenhum documento por escrito, basta comunicar à família da sua intenção e que ela autorize o ato. Mas sabemos que a negação familiar é muito grande, e para mudar essa situação e permitir que pessoas que estão na fila de espera para receber algum transplante possam voltar a viver de uma maneira mais confortável, o assunto deve ser inserido no cotidiano dos educandários e da comunidade.
A santa-cruzense Fabiana Bender, 24 anos, possui sua história com o transplante de órgãos. Desde os seus dois anos, ela realizava tratamento para refluxo vesicoureteral, e após quase 14 anos, Fabiana recebeu a informação através de sua médica, em Porto Alegre, que teria que entrar para uma fila de espera para transplante do rim direito. Então, ela e sua família retornaram da Capital gaúcha acreditando que levaria um bom tempo até que Fabiana fosse chamada, mas a fé e a esperança para que esse dia chegasse não foram perdidas.
E o tempo na fila não demorou como se esperava. Foi em 17 de agosto de 2012, cinco dias após a entrada na lista de espera, que Fabiana e sua família foram informados com a notícia de que ela receberia um novo rim, de um doador de Santa Catarina.
Fabiana relata que sua recuperação após a cirurgia foi muito boa, sem tentativa de rejeição do novo órgão que começou a funcionar em seguida. Ela teve que ficar ainda uma semana no Hospital da Criança Santo Antônio, de Porto Alegre, para se recuperar.
A filha de Ingo e Jacira Bender, e irmã mais velha de Fernanda Bender, disse que antes da cirurgia levava uma vida normal, pois não precisou fazer hemodiálise. Praticava esportes e nunca teve restrição alimentar devido à doença. Mas, após o transplante, sentiu que sua vida havia mudado. “A minha vida mudou de alguma forma, mas na hora não sabia explicar como. Senti que precisava mais do que nunca cuidar de mim e do meu rim, pois ele era o amor de alguém. Digamos que a responsabilidade mudou. Hoje, sem dúvida alguma, sou uma pessoa completa, sei que estou dando voz a muitas pessoas que também precisam desse sopro de vida, me sinto muito grata com a pessoa que o transplante fez renascer dentro de mim”, relata Fabiana.
Após oito anos do transplante, Fabiana, que optou em cursar Medicina na Univates, diz amar a vida e tudo que ela significa. Ela acredita na bondade das pessoas, tem muita esperança para um futuro melhor e é muito grata pela família e amigos que tem. Sobre escolher a área da saúde, ela conta que tudo que passou a influenciou em ser médica. “Sempre gostei de estar em hospital, da rotina em si, mas antes do transplante, o hospital era um lugar de pouca troca, pois até então tudo tinha sido tão incerto, que ser médica estava adormecido dentro de mim. Porém, depois do transplante, minha vida mudou de cabeça para baixo, porque pude ver que curar vai além de medicar, é oportunizar que as pessoas vivam intensamente os prazeres da vida, na medida do possível. É confortar e saber que a felicidade está nos pequenos detalhes. Além disso, a dedicação e humanidade dos meus médicos também tiveram influência em minha escolha”, revela.
Fabiana destaca que será uma doadora de órgãos e que esse novo rim lhe deu a oportunidade de continuar a vida. “Meu sentimento é gratidão. Uma gratidão em que não existem palavras no mundo para descrevê-la, porque graças ao sim de uma família, hoje a minha família é ainda mais feliz”.
Atualmente, Fabiana leciona palestras para estudantes do ensino fundamental, médio e superior em que ela explica sobre a importância da doação, como funciona o processo e como é a recuperação do paciente. Ela também integra a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). “Muitas pessoas possuem receio em ser um doador, pois ainda, infelizmente, há uma falta muito grande de conhecimento a respeito da doação de órgãos. A mensagem que eu posso deixar a essas pessoas é de que elas tirem suas dúvidas a respeito do assunto, pois doar órgãos e tecidos é permitir que outras pessoas continuem sonhando. Doar é um ato de amor ao próximo e tudo aquilo que a vida possa vir a ser”, enfatiza.
SOBRE DOAÇÃO DE ORGÃOS
A Aliança Brasileira pela doação de Órgãos e Tecidos ressalta que não existe mercado negro de órgãos. A entidade salienta que as religiões enxergam a doação como um ato de caridade e amor ao próximo, pois após do fim do transplante, realizado por cirurgia tradicional, o corpo é reconstituído podendo ser velado normalmente. A doação de órgãos e tecidos pode ocorrer em vida ou após a constatação de morte encefálica, que é a interrupção irreversível das funções cerebrais.
O doador consegue salvar mais de 20 pessoas. É possível doar córneas, coração, fígado, pulmão, rim, pâncreas, ossos, vasos sanguíneos, pele, tendões e cartilagem quando o corpo vem a óbito. Já o doador em vida deve ter mais de 21 anos e boas condições de saúde. A doação ocorre somente se o transplante não comprometer as aptidões vitais. Rim, medula óssea e parte do fígado ou pulmão podem ser doados entre cônjuges ou parentes de até quarto grau com compatibilidade sanguínea. No caso de não familiares, a doação só acontece mediante autorização judicial.
EM SANTA CRUZ
No Hospital Santa Cruz, a Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (Cihdott) gerencia todo o processo de doação e captação de órgãos e tecidos na Instituição, sendo responsável por viabilizar o diagnóstico de morte encefálica, conforme Resolução do Conselho Federal de Medicina. O HSC ainda realiza a abordagem e presta esclarecimentos aos familiares sobre o potencial doador. A captação dos órgãos – exceto as córneas, após aceitação da família, é realizada por uma equipe especializada da Central de Transplantes do Estado.