O maior dos escândalos não é a corrupção. Não que ela seja de menor importância, ao contrário, deve ser combatida tanto por sua magnitude como pelas nefastas consequências que acarreta. Não apenas no mundo da política, mas também no das relações econômicas e sociais privadas, a corrupção equivale à busca do benefício próprio a qualquer custo, sem respeitar os limites do bem comum.
O maior dos escândalos é ao mesmo tempo mais gritante e mais sutil, porque está “normalizado”: ele tem a ver em boa parte com o que é considerado “normal”. Trata-se da abissal desigualdade econômico-social que caracteriza o mundo. Não só o Brasil; é um fato do planeta no seu todo, uma característica do conjunto do capitalismo mundial.
Quem gasta o seu tempo todo falando apenas da corrupção pode estar ajudando a retardar o inadiável debate público sobre a desigualdade. Esta é uma das funções ideológicas da mídia: ajudar a mascarar as raízes das contradições econômicas, que se manifestam no contraste entre a opulência de uma parte da humanidade que adoece em face do consumo excessivo e a miséria de outra parte, que morre por conta da carência do mais básico para a sobrevivência.
A justa atenção dada à corrupção não pode ser dissociada daquela dada à desigualdade. Não no momento em que a distância entre ricos e pobres é a maior de todos os tempos. A humanidade já foi muito, muito mais pobre, mas nunca tão desigual no acesso a bens e serviços. O que você diria de uma situação em que entre cem pessoas uma tivesse tanta renda quanto as outras 99 somadas? Pois é exatamente essa a situação mundial. A organização inglesa Oxfam divulgou no ano passado o documento intitulado “A Economia para o 1%”, no qual se mostra que o 1% mais rico da população mundial detém mais riquezas do que todo o restante, que poderes e privilégios são usados para garantir o benefício de poucos e que uma rede global de paraísos fiscais permite aos mais ricos esconder 7,6 trilhões de dólares das autoridades fiscais.
Que sirva de alerta: além de prestar atenção ao uso ilícito de cargos públicos para fins corruptivos, devemos estar ligados nas formas menos visíveis, tidas como lícitas e normais, para enriquecer às custas do trabalho coletivo.