A necessidade de comunidade é inerente ao ser humano em todas as épocas. Compartilhar afeto e valores, ter um teto, sentir-se abrigado e seguro sob um teto comum, eis expectativas que nem o Estado nem o mercado conseguem suprir.
A rejeição ao passado e a decepção com a política e com o Estado levou certos entusiastas do mercado à ilusão de que o setor privado poderia suprir a necessidade de comunidade. Uma ilusão, reconhece Peter Drucker, um dos maiores expoentes da administração moderna. No livro “A Comunidade do Futuro” (Ed. Futura, 1998) ele diz que “eu realmente já acreditei que poderia e o faria” substituir a comunidade de vida por uma versão privada, a “comunidade fabril autogovernada”. Ledo engano.
Peter Drucker endossa aquilo que muitos filósofos, teólogos e pensadores políticos afirmaram ao longo da tradição ocidental e o comunitarismo veio a retomar com ênfase nas últimas três décadas: é o terceiro setor ou a sociedade civil (comunidades, organizações não governamentais e não empresariais, redes de cidadãos) que pode suprir as necessidades da vida comunitária. Hoje, cada vez mais, são indispensáveis comunidades para cidadãos urbanos e para trabalhadores do conhecimento altamente instruídos.
A linha de pensamento do grande teórico da administração não é nostálgica: é inviável reviver as comunidades tradicionais, agrárias; é preciso criar algo que não existiu outrora, comunidades condizentes com o modo de vida urbano, o ambiente no qual vive boa parte dos cidadãos de hoje. Tal é a perspectiva do comunitarismo democrático, que reflete sobre e incentiva formas comunitárias de vida adequadas ao nosso tempo.
Um desafio básico das comunidades atuais é equilibrar a liberdade pessoal com as exigências coletivas. Grande parte das comunidades históricas restringiu excessivamente a liberdade individual: onde todos se conhecem facilmente, todos se vigiam, dão palpites e interferem na privacidade alheia. Esse é o lado opressivo da comunidade. O lado positivo é a ajuda mútua, a solidariedade, a proteção às crianças e aos necessitados e outros aspectos derivados dos laços sociais fortes que cimentam a vida comunitária.
As comunidades de hoje não podem pretender combater o individualismo reinstaurando algum tipo de coletivismo. Vai contra a “natureza” (na verdade contra a “cultura” disseminada ao longo dos últimos séculos) de grande parte dos cidadãos modernos abrir mão da autonomia pessoal em favor da tutela da comunidade, mesmo que venha acompanhada de proteção e auxílio. O excesso de solicitações coletivas acaba por inviabilizar muitas tentativas de vida comunitária. Por outro lado, uma comunidade só sobrevive se for respeitado um núcleo de valores que dão sentido à vida em comum. Como encontrar o equilíbrio entre o respeito à privacidade e a autonomia e, de outro, a observância de valores e regras comuns?
Não há receita pronta nem universal. Trata-se, em cada caso, de uma construção a muitas mãos, orientada pela convicção de que compartilhar e cooperar é tão necessário quanto ter respeitados os próprios direitos, a individualidade e a privacidade. Vale para o presente e certamente para o futuro.