Não somos tão racionais quanto geralmente pensamos ao tomar nossas decisões. Ao agir, não temos informações completas sobre tudo o que envolve a ação, nem capacidade ou mesmo tempo para processar as informações disponíveis. Nossas opções são influenciadas por elementos emocionais, valorativos. Preenchemos as lacunas da racionalidade valendo-nos de atalhos.
No âmbito da ciência política, o estudo dos “atalhos cognitivos” ou “heurísticos” tem focado particularmente o comportamento eleitoral. Desde as investigações da década de 1960 sabe-se que, mesmo nas democracias tradicionais, o eleitor típico não é um indivíduo que faz uso da racionalidade analítica para definir seu voto. O eleitor típico em boa parte ignora os meandros da política. E mais: o eleitor unicamente racional não existe. A emoção não nos abandona no exercício do voto.
Os atalhos compensam a informação parcial e o conhecimento insuficiente. São uma espécie de bússola que utilizamos em meio ao nevoeiro dos acontecimentos políticos, dos debates e das dúvidas que cercam constantemente esse mundo complexo.
Os estudos da ciência política apontam vários tipos de atalhos utilizados pelos eleitores.
Atalho ideológico: quem assume uma ideologia (esquerda, direita, socialista, social-democrata, liberal, etc) vota em geral em candidatos alinhados com essa ideologia e recusa o voto em candidatos de outra ideologia.
Atalho partidário: quem simpatiza ou é filiado a um partido em geral opta pelos candidatos do seu partido ou aliados a ele. E dificilmente vota em candidatos de partidos que polarizam com a sua agremiação.
Atalho de endosso ou apreço: a simpatia ou antipatia do eleitor por lideranças, organizações e amigos favorece ou desfavorece o voto em candidatos por eles indicados. É o que acontece quando o eleitor diz: “se esse movimento apoia esse candidato, então sou a favor” ou “sou contra”.
Atalho de imagem: a imagem de honestidade, de competência e outras qualidades positivas que se tem de determinado candidato favorecem o voto nele, embora essa imagem muitas vezes não corresponda às suas ações e sua postura. O inverso se aplica quanto à imagem negativa. O marketing político é tão fundamental hoje por desenvolver técnicas para formar no público uma imagem positiva do seu candidato e negativa dos adversários.
Atalho econômico ou avaliação retrospectiva: a impressão negativa ou positiva que o eleitor carrega na memória quanto ao desempenho econômico do governo com o qual o candidato tenha vínculo influencia as expectativas sobre o que possa fazer no futuro. Essa impressão incide na decisão do voto.
Estudos recentes mostram que eleitores com mais conhecimento e interesse pela política tendem a se orientar por questões partidárias e ideológicas. Eleitores com menos conhecimento e interesse pela polític atendem a utilizar atalhos de imagem e de endosso.
Os estudos da ciência política recomendam uma postura criteriosa quanto ao julgamento dos motivos que conduzem o voto do cidadão comum. Quando um ex-Presidente, sociólogo, atribui o voto na atual Presidenta à desinformação e ignorância dos eleitores dá mostras de que não estudou bem o complexo fenômeno do voto. Está na hora de reciclar os conceitos.