No Brasil, por quatro séculos, dos anos 1500 a 1900, não houve sistema público de saúde. Durante a Colônia, a medicina era exercida por um pequeno contingente de médicos, cirurgiões e boticários formados na Europa, radicados nas cidades maiores e que atendiam a nobreza e os ricos. Aos pobres e escravos restava a solidariedade comunal de curandeiros e das ordens religiosas. Nesse contexto, dada a ausência do Estado, os hospitais filantrópicos foram fundamentais nas diversas regiões do país para proporcionar atendimento de saúde à população.
Somente após a Revolução de 1930 foi criada uma estrutura pública de saúde, com a estruturação da medicina previdenciária. Nas décadas de 1940 e 1950 surgiram os grandes e modernos hospitais públicos no país, previdenciários na maior parte, inaugurando o chamado padrão de assistência à saúde “hospitalocêntrico”, ou seja, centrado na cura das doenças em hospitais. Esse padrão se consolida ao final da década de 1960 e vige em boa parte até hoje.
Mesmo com a estruturação do sistema público de saúde ao longo do século XX, que culminou com a criação do SUS na Constituição de 1988, os hospitais filantrópicos e comunitários não perderam importância. O sistema de saúde brasileiro é uma mescla (mix) que integra entidades estatais, comunitárias e privadas. Essa mescla é impropriamente chamada de mix público/privado, quando, na verdade, se trata de um mix público/comunitário/privado.
Boa parte dos serviços não é prestada diretamente por entes estatais e sim adquiridos junto a entes comunitários e privados. Estatísticas da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos dão conta da existência de 2.100 hospitais sem finalidades lucrativas, metade dos quais estão em pequenos municípios, em cujos 175 mil leitos acontecem 45% das internações do SUS. No Rio Grande do Sul, o percentual de atendimentos dos hospitais comunitários no SUS supera 70%.
Sem os hospitais comunitários o SUS não tem capacidade de atender minimamente a demanda. A defasagem, nas últimas décadas, da tabela de prestação de serviços prestados por essas instituições afeta-as severamente e já levou ao fechamento de muitas. Atualizar a tabela dos serviços é imperativo para que o atendimento à saúde atinja um nível mais aceitável e à altura da capacidade instalada do país.
Aqui na região, todos os hospitais foram construídos pelas comunidades, não pelas administrações públicas. Essa constatação por si só nos mostra porque, na saúde, chegamos aonde chegamos e por onde podemos avançar.
O impasse entre a Prefeitura e o Hospital Santa Cruz/Apesc deve ser analisado à luz desse contexto. Gestor público que não respeita o legado e o significado dos hospitais comunitários na região e no país está solapando a própria capacidade de avançarmos fortalecendo o que já temos.
Os gestores passam, as instituições ficam. Valorizar as organizações comunitárias construídas pelos nossos antepassados e que permanecem plenamente atuantes hoje é uma das lições a serem bem lembradas por ocasião das homenagens aos colonos que assentaram as bases do nosso desenvolvimento.