Em minha opinião, uma tese que deveríamos discutir com a máxima urgência é a Ética do Cuidado, na versão proposta pela psicóloga americana Carol Gilligan. Tenho pensado muito sobre o tema, em função dos perigosos discursos caricatos e de ódio que estão se alastrando.
O que Gilligan defende, grosso modo, é que a ética baseada em princípios abstratos universais não dá conta de produzir a devida inclusão das partes envolvidas nas ações morais. Tentarei explicar através do Dilema de Heinz, largamente utilizado pelo psicólogo americano Lawrence Kohlberg, no processo de criação de sua “Teoria do Desenvolvimento Moral”. Senão vejamos: imaginemos uma situação em que Heinz, um homem muito pobre, recebe a notícia de que sua esposa irá morrer em breve por conta de uma doença muito grave. Os médicos lhe dizem que um novo remédio poderá dar mais qualidade de vida a ela e, quiçá, curar sua doença.
O único problema é que o remédio está, por enquanto, em posse apenas de seu criador, um famoso químico. Heinz o visita e lhe solicita um frasco. O químico diz que o remédio custa 2.000,00. Porém, as economias de Heinz somam apenas 1.000,00. Ele então diz ao químico que tentará conseguir a outra metade nos próximos dias. Mas o químico mantem seu preço e não se dispõe a negociar. Para salvar sua esposa, Heinz então cogita roubar o remédio.
Sobre se Heinz deve ou não roubar, Kohlberg compreende que a resposta mais “completa” é esta: em circunstâncias tão delicadas como a de Heinz, considerando que a vida é sempre o bem mais importante, o roubo se legitima. Ao dizer que “a vida é sempre o bem de maior importância”, Kohlberg fundamenta sua reflexão em um princípio moral universal.
Gilligan, por outro lado, compreende que a resposta mais apropriada é de outra ordem: é necessário avaliar melhor a situação de Heinz; propor alternativas, outros modos de conseguir o dinheiro, pois se ele roubar poderá ser preso. Estando preso, quem cuidará de sua esposa doente, caso o remédio não funcione? E mais, se ele roubar estará lesando também o químico. O melhor, portanto, seria encontrar um modo de incluir os interesses de todos os envolvidos, ou ao menos de não ferir nenhum.
Ou seja, Gilligan não optou por um princípio de ordem universal, pois entendeu que o mesmo incorreria na supressão da liberdade de todos ou alguns dos envolvidos. Sua tese supõe que as peculiaridades do contexto situacional e das pessoas envolvidas têm de ser compreendidas ao máximo. Trata-se, pois, de uma ética da empatia, da sensibilização em se colocar no lugar dos agentes morais e de abstrair racionalmente as nuanças do contexto em que se encontram.
Nesse sentido, convido o leitor a refletir sobre os perfis dos discursos de candidatos a dirigentes da Nação. Eles se enquadram mais na moral de princípios universais ou na que considera as particularidades contextuais? Em sua opinião, qual das duas condutas morais tem mais chance de promover discriminações?
De modo a evitar segregações, Gilligan defende que ao se decidir por A ou B é necessário não só se colocar no lugar dos que estão intimamente ligados a cada uma das partes. É preciso também dialogar com ambas para compreender bem suas demandas. Só então será possível tomar uma decisão com propriedade. Um exemplo de tal consideração é a atual discussão sobre a legalização do aborto. Gilligan diria que as mulheres são as mais empáticas para o debate, pois são as que melhor conseguem se colocar no lugar das gestantes.
Isso não quer dizer que os argumentos dos homens devam ser excluídos. Quer dizer que a sensibilização das mulheres é que deve protagonizar a decisão por um sim ou por um não ao aborto. Mas o Congresso Nacional é dominado por homens. E o sendo, retomo minha proposição inicial.