Lá vêm elas, umas desfilando como se tivessem asas, outras rasteiras, pé no chão. Lá vêm elas esvoaçantes, oscilantes, poderosas. Elas vêm encantadas para dar encantamento aos outros, como se encantar fosse ofício. Elas substantivaram o verbo, virou ofício. Lá vêm elas dançantes, bailarinas do vento, da brisa, do espaço. Vêm num balé mágico, ímpar. Algumas vêm perfumadas. Elas vêm se contrapondo à relatividade da beleza, e surgem lindas, absolutas. Surgem de repente, assim, simplesmente.
Elas vêm vestidas de cores várias – amarelo, vermelho, verde, marrom, numa escala de muitos tons. Capricham na pintura, como se fosse para sempre. Sei que elas sabem que nada é para sempre. Talvez por isso dançam tanto. Elas sabem o valor do instante.
Lá vêm elas sorrateiras, roubando atenções, afanando sentidos. Elas vêm num gingado maroto, num balanço inquieto, vêm matadoras, só para depois nos ressuscitar. Vêm como beleza nova, desafiando a simetria. Vêm como avesso das réguas, esquadros sem vértices, compassos duvidosos. Elas vêm inspirando conceitos e intenções. Tela ou tinta? Talvez pincel, palheta, cavalete, qualquer coisa que lembre madeira, floresta, paisagem verde, para depois amadurecer ao sol, bronzear-se ao sol, transformar-se ao sol como num auto-retrato para sempre inacabado. Donas do motivo e consequência. Pintá-las? Pintá-las seria plagiar a natureza.
Lá vêm elas, mensageiras da vida. Elas nos dizem que há sempre uma lado áspero, para que o outro possa ser liso, aveludado, macio. Que graça teriam os lados bons, se não conhecêssemos os maus? Haveria sentido na vida se não houvesse morte? Elas nos dizem que até o que parece um fim é o início de um renovar-se, de um renascer, de um elevar-se. Ensinam que os opostos são próximos, que é preciso ter cuidado, saber onde pisa. O arame é tênue e balança, mas vale o risco do equilíbrio. É certo que uma hora se cai. Como erguer-se triunfante, sem um dia ter caído? Ser forte é levantar-se. Não se vale por quantas vezes se cai, mas por quantas se levanta e segue em frente. Uma mesma cor pode ter vários tons, mas alguns são certos, e outros errados. Escolher é uma arte que o tempo ensina. Às vezes nunca ensina. É quando o valor está em ser aprendiz. É doce vencer, mas é nas amarguras que crescemos e, se crescer é vencer, é nelas que vencemos.
Assim, cheias de mensagens, elas continuam vindo. Olhe para trás, para os lados, consegue vê-las? Sim, sim… elas mesmas. Acariciadas pelos ventos, nas ruas, nas praças, nos bosques. Algumas intocáveis, como roupas novas em vitrines chiques. Os vidros tentam duplicá-las no reflexo das imagens, mas só os espelhos conseguem. Entendê-las é como entender-se. É preciso despir-se diante de si próprio e se ver por dentro. Transparente, a consciência do inconsciente. Assim elas vêm, nuas, sem medos, sabem que é seu tempo. Assim como elas, é preciso estar disposto a transformar-se, reinventar-se se for preciso.
Olha! Consegue vê-las? Ouça. Consegue ouvi-las? Estão chegando. Lá vêm elas, as folhas de outono.