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Os papéis das bibliotecas

Há alguns dias ouvi dois jovens conversando, e um dizia ao outro que um arquivo digital estava na biblioteca do computador. Biblioteca do computador? Isto me levou ao dicionário. Biblioteca: “Coleção pública ou privada de livros e documentos congêneres, organizados para estudo, leitura ou consulta. Estante ou outro móvel onde se guardam e/ou ordenam livros. Coleção ordenada de modelos ou de rotinas ou sub-rotinas, por meio da qual se podem resolver os problemas e suas partes.” A língua é mesmo dinâmica. Ela permite mudanças ou ampliações dos sentidos das palavras ao longo do tempo, e parece valer mais o que é usado no cotidiano, e tido como lógico no meio onde o termo se insere. Biblioteca pode, então, ser um arquivo de computador. Jamais se imaginava isso alguns anos atrás.
Se biblioteca pode ter tantos sentidos, qual é, afinal, o maior sentido das bibliotecas? A Biblioteca de Alexandria, no Egito, é uma das mais antigas do mundo. Tem milhões de livros em seu acervo, mas parece que ela entende que isto é pouco. Quer mais. Programou um mega-evento a se realizar de 22 a 25 de abril de 2012: BiaVisionAlexandria (BVA) 2012 Conference (ver em www.bibalex.org). Cientistas e pesquisadores de renome, incluindo três ganhadores do Prêmio Nobel já confirmaram suas presenças. O título-tema do evento será “Ciências de Vida Nova: Ligando as Ciências à Sociedade”. Abordará o papel que a ciência pode desempenhar para atingir uma sociedade melhor, igualitária e justa, não somente através da pesquisa científica, mas também do ajuste da política. A Conferência lançará luzes sobre questões como a saúde como sendo um estado de bem-estar (e não apenas combatendo doenças), meio-ambiente, alimentos e agricultura, e os direitos dos marginalizados.
A Biblioteca de Alexandria me faz comparar a vida das instituições com a vida das pessoas. É comum ver grandes personalidades chegarem ao auge de suas vidas e buscarem um sentido maior, como uma inconformidade com o conforto do sonhado ápice. Buscam na espiritualidade ou na volta às origens uma explicação ao sentido de tudo. É frequente que esta busca se estabeleça pelo que lhes parece ter escorrido das mãos na trajetória rumo ao topo. É como se tivesse escorrido o tempero durante o trajeto em que levaram o prato que lhes coube à ceia, na qual a sobremesa consiste na logosofia da autotransformação. O topo fornece, entre outras coisas, a visão do que importa. Nada mais deve importar a uma biblioteca, se não a promoção da transformação das informações em conhecimento, e do conhecimento em sabedoria. O resto é papel.
As gerações da era eletrônica têm novos conceitos de guardar as fontes de informações. Eles não escrevem, clicam. Sabem muito bem que o valor está nas ideias, e não no método “tinta sobre papel”. Suas leituras são acompanhadas por um raciocínio rápido, irrigado pelo turbilhão de informações recebidas desde a infância pela televisão, pela internet, pela linguagem visual das ruas, pela interação social. Tendem a se tornar exigentes (e se tornam) na medida em que crescem. Tudo o que lhes for proposto deve ser acompanhado de um parecer intrínseco de que vale a pena. Sabem o caminho das pedras (exemplo: www.thefreelibrary.com , uma biblioteca com downloads gratuitos, como várias outras). As novas gerações não querem saber de enciclopédias, não escolhem livros pela cor da capa para combinar com a cor da parede, do sofá ou do vasinho da mesa.
Nesta variação de conceitos que se pode ter de bibliotecas, entre arquivos físicos e digitais, deve haver a possibilidade de manter arquivos mentais. Tenhamos cuidado na trajetória, para que não nos escorra das mãos o que mais importa. Se você não sabe o que mais importa, comece frequentando as bibliotecas.