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Trotes universitários

Ao assistir à reportagem do Fantástico sobre mais um calouro que foi vítima de um trote brutal na Famerp, em São José do Rio Preto, eu senti calafrios de terror. O estudante foi obrigado a consumir bebida alcoólica e a ficar de joelhos enquanto os veteranos o agrediam com socos, pontapés e garrafadas. Ele acabou perdendo os sentidos e quando acordou estava seminu, com o corpo coberto por vômito e urina. Quando decidiu não ir ao segundo dia de trotes (os trotes duraram três dias) recebeu ameaças: “Ou você cancela a sua matrícula ou a gente vai atrás e te mata”. Ele fugiu para a casa da mãe, em Minas.
Segundo o livro “O trote na universidade: passagens de um rito de iniciação”, de Antônio Zuin, os primeiros registros da prática datam do início do Século 19. Calouros de uma região da Alemanha eram obrigados a andar nus e ingerir fezes de animais mediante a promessa de que poderiam se vingar nos novatos do ano seguinte. No Brasil, o primeiro trote aconteceu em 1831, na Faculdade de Direito de Olinda, e acabou com um garoto morto a facadas e bengaladas. Desde então, algumas universidades proíbem os trotes dentro de suas dependências, mas os horrores continuam acontecendo fora dos muros acadêmicos e, em muitos casos, bastante cruéis e malignos.
Em 1993, em Guaratinguetá, um jovem foi agredido e obrigado a amarrar um peso de sete quilos nos seus órgãos genitais. Em 1962, na PUC, um novato morreu depois de ter sido forçado a se atirar nu em um barril cheio de água misturada com cal. Em 2009, em Leme, um garoto foi amarrado a um poste, chicoteado e depois abandonado na rua e internado como indigente após ser forçado a beber cachaça e a rolar em excremento de animais.
Eu senti na pele o que é ter que enfrentar um trote universitário. Foi na UFSM, em 1985. Eu e meus colegas fomos pegos, amarrados uns aos outros e levados para o calçadão de Santa Maria. Alguns foram obrigados a ingerir cachaça e um deles entrou em coma alcoólico. Outros tiveram o cabelo raspado à força enquanto choravam. Um deles tentou escapar e foi jogado no chafariz da praça. Ao cair quebrou o braço! Eu peguei o ônibus de volta para casa descalço (alguém havia levado meu tênis), com a calça rasgada (o que deixou a cueca à mostra), com parte do corpo queimada com creolina e com dois ovos grudados no cabelo amarelado pela água oxigenada jogada pelos veteranos. Achei as “boas-vindas aos calouros” tão violenta e humilhante que me neguei a dar o troco no ano seguinte. Desde então tenho minha posição sobre os trotes: sou contra.