Mencionei, em uma outra crônica recente, que o ano de 2020 não começou muito bem, mas me referia ao mau tempo que vem causando estragos em alguns pontos do Brasil. Mas se olharmos para o estado lastimável em que se encontram a cultura e a educação deste país, entre outras coisas, percebemos que, infelizmente, a coisa chega a ser bem mais grave. No início de fevereiro, estouraram notícias de censura de livros de literatura clássica e também contemporânea, em Rondônia. Em seguida, a biblioteca da Presidência, em Brasília, foi desmontada para dar lugar a um gabinete da primeira dama do país. Antes disso tudo, o presidente criticou os livros didáticos, dizendo, entre outras coisas, que “Os livros hoje em dia, como regra, são um amontoado de muita coisa escrita”. Os “políticos” brasileiros não têm nenhuma cultura e não fazem nenhuma questão de ter.
O que está acontecendo? Já não basta o estado de falência da educação brasileira, agora vamos demonizar os livros para que se leia menos ainda do que já se lê, por aqui? E isto tudo partindo das “autoridades” maiores do país, que deveriam zelar pela educação de seus cidadãos, pela manutenção da cultura e da arte para todos. Eles, que são pagos por nós, que estão a nosso serviço, que estão a serviço do povo e deveriam trabalhar para ele, e que fazem justamente o contrário.
É inadmissível, mas o Estado de Rondônia censurou – ia mandar recolher das bibliotecas, mesmo, mas depois com o clamor do povo, indignado com o retrocesso e falta de respeito, voltou atrás – livros de grandes escritores brasileiros como Mário de Andrade, Ferreira Goulart, Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, Machado de Assis, Euclides da Cunha e outros e também escritores internacionais, como Franz Kafka, Edgar Allan Poe. A desculpa? Os livros foram “considerados inadequados para crianças e adolescentes”. Quem serão esses “experts” em literatura do governo de Rondônia que acham que tem competência para refugar obras de grandes escritores e autores de clássicos? Voltamos no tempo, regredimos, ao invés de nos desenvolvermos, de progredirmos? Estamos voltando ao nazismo, à inquisição? É inacreditável.
E a Biblioteca da Presidência, num país onde o presidente acha que os livros “têm muita coisa escrita”, foi desmontada, porque o “governo” precisava de mais espaço para mais um gabinete para a primeira dama. A Biblioteca da Presidência abriga 42 mil itens, mais três mil discursos de presidentes, pois uma de suas funções é preservar a memória dos presidentes do país. Com o desmonte, a biblioteca presidencial do Planalto terá seus espaços de estudo, convivência e leitura praticamente extintos. Também não terá mais capacidade de aumentar o acervo.
Mas já no mês de setembro de 2019, a censura já ameaçava o direito de expressão e da livre escolha dos cidadãos deste país: Crivela, prefeito do Rio de Janeiro, colocou fiscais da prefeitura para percorrer os estandes da Bienal do Livro, que acontecia na Cidade Maravilhosa, para verificar se não havia livros que estavam fora do padrão que eles estipularam. Ou seja: livros que tratassem da temática gay, pois foi o beijo entre dois meninos na história em quadrinhos Vingadores que deflagrou em Crivela a prepotência de censurador. Como disse Mônica Bergamo, “um novo e sombrio tempo se anuncia, da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático”.
Vivemos tempos bicudos. Mais e mais eventos de violência contra o livro vêm acontecendo neste nosso país. Vamos começar a queimar livros, agora, em praça pública, como em tempos idos que não deveriam ser revividos? Estamos vendo a luz no fim do túnel se apagar. Isso é muito grave. Há que se fazer alguma coisa, pois isso não pode continuar. Livro é uma arma perigosa, sim, mas contra a ignorância, a intolerância e a falta de cultura.
*Luiz Carlos Amorim – Escritor, editor e revisor – Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA.